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Ad Astra: E se não houver nada no Além?



Todos os artistas, tal como os cientistas, olham sempre para o passado e para aqueles que são os seus ídolos com a esperança de algum dia fazerem algo tão relevante para a Humanidade como os grandes fizeram e que por tal são relembrados. “Citizen Kane”, “O Padrinho”, “Os Sete Samurais”, “Andrei Rublev” são filmes que todos os grandes realizadores viram e continuamente procuram retirar o máximo de informação, a fim de conseguirem aperfeiçoar o seu próprio engenho. Neste lote, inclui-se também (para além de bastantes outros que apesar de não mencionados também merecem todo o respeito) “2001: Odisseia no Espaço” que ainda influencia (e irá para sempre influenciar) imensos filmes, olhe-se para trabalhos recentes como “Gravidade” de Alfoson Cuáron, “Interstellar” de Christopher Nolan ou “O Primeiro Encontro” de Denis Villeneuve, que aparentam ter algumas dedadas de Stanley Kubrick lá pelo meio. “Ad Astra” de James Gray também se pode incluir neste catálogo, e para além de Kubrick, é notório que James Gray é um grande fã de “Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola, no entanto, há algo que separa uma imitação de uma homenagem, e isso é a intimidade, o quanto de si (a sua paixão) que o criador procura colocar no seu trabalho. “Ad Astra” poderia ser mais um filme sobre explorar novas fronteiras desconhecidas à Humanidade, mas isso não seria feito por alguém como James Gray, que ama perceber o que nos torna humanos, que, sem confirmar, direi que é um introvertido que reflete bastante sobre si mesmo, sobre os outros e que está bastante em contacto com os seus sentimentos. Quem conhece outros filmes do realizador, sabe do que falo, e que este é um tema constante, especialmente nos trabalhos que fez com o seu principal colaborador, Joaquin Phoenix, do qual destaco o fantástico “Duplo Amor”. Por isso, foi com estranheza que reparei que o protagonista do seu mais recente filme era Brad Pitt, que tanto me habituou a fazer atuações completamente bizarras e expansivas em filmes como “Thelma e Louise”, “12 Macacos” ou “Snatch – Porcos e Diamantes” alternando com personagens mais calmas, mas que roubam sempre o protagonismo e mostram dominância como em “O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford” ou “Era uma vez… em Hollywood”. Espantava-me porque via em Joaquin Phoenix a perfeita personificação das reflexões de James Gray, mas Brad Pitt mostra que é um ator para a História e que podemos contar com versatilidade da parte dele.


Ao avançar para o futuro, James Gray revela que há duas coisas com que podemos contar, uma é a evolução espantosa da tecnologia humana e outra é a também impressionante imutabilidade do coração humano. No final, continuamos a ser humanos, continuamos a ter as mesmas maleitas do coração. Não vamos ascender a estados etéreos que se assemelham mais a um Deus omnipotente do que ao próximo passo da evolução. Ainda estamos sujeitos a sentimentos e isso é o que mais nos separa de sermos deuses. Roy McBride encapsula muito bem esta sentimentalidade humana. Roy encontra-se muitas vezes nas suas introspeções, muitas das vezes em que ouvimos a voz dele, ele não está com outras pessoas, mas a pensar para si mesmo. Ele é focado e uma figura estóica cujo passado continuamente o desafia. O seu pai, afamado explorador espacial, desapareceu quando Roy tinha 16 anos e desde então que se tornou numa figura mítica para ele, alguém que será a personificação de Deus, não só por todas as qualidades fantásticas que Roy vê nele (sem realmente conhecer o seu pai), mas também por se ter tornado inalcançável. Roy é um homem dividido pela sua existência lógica e racional e pelo espiritualismo que ele mesmo não sabe que possui. Esta dicotomia é exemplificada na perfeição logo numa das primeiras cenas do filme. A sua mulher, aparentando estar angustiada, está prestes a sair de casa. Roy torna-se no foco da imagem e conseguimos ver a sua mulher completamente desfocada no fundo. Roy não está a olhar para ela, está mais uma vez preso nos seus pensamentos, e quando finalmente olha para ela, continua a não vê-la, pois a imagem dela mantém-se desfocada, contrariamente ao esperado, que seria a figura da mesma tornar-se nítida. Roy consegue perceber exatamente o que sente, sabe como se exprimir e sabe o que o seu coração lhe diz, mas não consegue estender essa capacidade aos outros que estão ao seu lado, pois entre ele e os outros está sempre a figura do seu pai desaparecido, uma parte de Roy que lhe rouba a capacidade de se conectar aos outros. Porém, é da natureza humana procurar as respostas do mundo, e por isso, James Gray não poderia ter feito melhor escolha que não colocar este drama no espaço, onde tudo parece desconhecido. Temos que olhar ad astra, latim para “as estrelas”. É neste desconhecido que temos as nossas respostas e também os nossos medos. Talvez mais assustador do que procurar algo e encontrar o que não esperávamos, será procurar algo para perceber que não está lá, que simplesmente não existe. Quando Roy encontra o seu pai, após imensas dificuldades, a desilusão não poderia ser maior. Ele não é o homem omnipotente que Roy parecia ter criado na sua mente. Ele não é um grande herói, ou melhor, em tempos foi, mas agora era um arauto do apocalipse que acabou por matar a sua tripulação, ato provocado por paranóias que foi desenvolvendo. Ele procurava a imagem que tinha do seu pai e encontrou uma pessoa. O que ele procurava não estava lá. Roy foi até às estrelas para perceber que nada do que sonhava estava lá. E o que há a fazer depois disso? Seguir em frente e deixar o passado para trás. Não o esquecer, mas apenas deixá-lo para trás, gesto tão simbolicamente representado pela forma como o seu pai se desprende de Roy.


“Uma mera recriação daquilo que fugimos na Terra” é assim que James Gray representou a exploração espacial que tão vigorosamente esperamos que seja o próximo passo da Humanidade como coletivo. Mas nunca deixamos de ser humanos como já referi. A Lua tornou-se quase num parque de diversões, as suas regiões são disputadas por vários países. A Humanidade não deixa de atender aos seus interesses individuais, porque tal como Roy, não fogem da sua condição mais básica. É através deste filtro de cores lindíssimas e sequências hipnotizantes que entramos na mente calma e cuidadosa do pensamento daqueles que são os mais silenciosos e espirituais, apesar de não religiosos. “Ad Astra” é um dos mais desvalorizados filmes do ano anterior, no entanto, espero que consiga encontrar uma maior valorização ao longo do tempo, que certamente merece.


Manuel Fernandes

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