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A Vítima do Medo: E a Vítima dos Críticos


É quase uma loucura pensar que um único filme arruinou a carreira de um dos mais prolíficos e respeitados realizadores do seu tempo. Ainda mais bizarro será pensar que um filme que atualmente é considerado como uma joia do cinema foi o culpado por tal acontecimento. Michael Powell, realizador britânico conhecido pelas suas colaborações com o alemão Emeric Pressburger, foi um dos “arqueiros” responsável por obras-primas como “Os Sapatos Vermelhos”, “Quando os Sinos Dobram”, ou “Caso de Vida ou Morte”, aventurou-se pelo género de horror com “A Vítima do Medo”, uma obra que lhe valeu um repudio geral pela sua natureza perversa e (para a altura) violenta. Os críticos destruíram o filme por completo e, assim, a carreira de um realizador essencial da História do cinema “morreu” para nunca mais voltar a pisar sequer uns meros primeiros degraus de uma escadaria marcada por sucessos do passado. Curiosamente, no mesmo ano, o também britânico Alfred Hitchcock, realizou “Psico” que estreou nos Estados Unidos como um sucesso, tendo boas reações da crítica e das audiências. Ambos os filmes abordaram o horror como uma experiência psicológica e tocaram em temas sexuais (perversão, repressão) e em dois pontos distintos do globo, tiveram resultados completamente distintos.


Nunca nos é escondida a identidade ou modus operandi do assassino em série, trata-se do protagonista do filme. As primeiras imagens dizem-nos tudo. Mark Lewis, que trabalha num estúdio de cinema, filma mulheres antes de as assassinar. Não o faz porque gosta, é uma compulsão que ele dificilmente controla. Subconscientemente, fá-lo para conseguir captar a mais realista expressão de terror na cara de qualquer pessoa que seja. Talvez não qualquer pois parece que se trata de um tipo específico de mulheres, no que toca a qualidades físicas. O objetivo não é de criar um retrato empático de um assassino, apesar da timidez e charme juvenil em Mark, há momentos em que vemos nele um vazio emocional, e que a simples expressão na sua face é aterradora. Não porque ele se expressa através de gestos ou expressões faciais que evoquem o medo, mas sim porque sabemos o que ele fez, e face ao dito por outras personagens, sabemos perfeitamente o que vai na sua cabeça.

À semelhança de “Psico”, sabemos que Mark é assim devido a traumas psicológicos com origem na sua família. Se Norman Bates foi afetado por uma mãe excessivamente protetora e que jamais partilhava o seu filho com outra pessoa, para Mark Lewis foi o seu pai que provocou nele esta faceta. Logo no início do filme, quando Mark conhece a sua encantadora e adorável vizinha Vivian, ele mostra-lhe a sua perturbadora sala de projeção onde assistimos aos filmes da sua infância. Contrariamente às gravações da maioria das famílias, as de Mark não mostram momentos de ternura ou carinho, mas sim as experiências macabras que o seu pai levava a cabo, usando o seu próprio filho como cobaia. E assim, desde o início do filme não há segredos. Sabemos com quem estamos a lidar e com o que estamos a lidar e porque é que assim o é, e ainda assim, “A Vítima do Medo” consegue ser uma produção completamente inesperada e que provoca na sua audiência um terror miudinho quando reflete na situação completamente desconcertante que assistiu.


O filme que valeu a Michael Powell o fim da sua carreira foi redescoberto anos mais tarde, nos anos 70, tendo inclusive um jovem Martin Scorsese sido essencial na forma como o filme voltou a entrar em circulação e acabou por ser visto por audiências que o valorizaram. Atualmente é considerado como um dos grandes filmes da História. Nada mau para um filme que foi considerado como uma horrível experiência cinematográfica.


Manuel Fernandes

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