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Bojack Horseman: Uma retrospetiva



ATENÇÃO: Esta crítica tem spoilers para Bojack Horseman. Se ainda não viu, leia esta crítica por sua conta e risco.


Nos anos 90, Bojack Horseman (Will Arnett) era o ator principal da sitcom de sucesso Horsin’ Around. Agora, é uma celebridade a cair no esquecimento. No meio de festas, drogas e sexo descartável, Bojack aspira regressar ao seu lugar na ribalta ao navegar e expor todos os demónios do seu passado numa autobiografia.


Foi esta a premissa da primeira temporada de Bojack Horseman, a série animada da Netflix que emitiu os últimos episódios no início deste ano. Com seis temporadas de Bojack a navegar o mundo glamoroso e tóxico de Hollywoo(d/b), a série explorou os efeitos devastadores que a fama pode ter, as nossas relações com os nossos amigos e família, e a ideia de “redenção”, ou seja, se merecemos ser perdoados por aqueles que magoamos.


Ao contrário de séries animadas como Family Guy e The Simpsons, Bojack Horseman teve uma narrativa linear ao longo dos episódios, e tratou as suas personagens como pessoas reais com defeitos e inseguranças, com toda a seriedade que estes implicam. Bojack, por exemplo, é um egocêntrico alcoólico, sim, mas também teve uma infância absolutamente horrível (apesar de hilariante) e está cheio de ódio próprio. Princess Carolyn (Amy Sedaris), agente de Bojack, é uma mulher nos seus 40 que dedicou toda a sua vida ao emprego e sente-se realizada nesse aspeto, numa tentativa de ignorar o vazio que existe na sua vida pessoal e sentir-se útil, necessária e querida pelas pessoas à sua volta. Estes problemas são tratados com realismo brutal, e a série não tem medo de mostrar os pontos mais baixos que podem surgir destes.


Ao longo das temporadas, vemos Bojack, Diane (Alison Brie), Princess Carolyn, Todd (Aaron Paul) e Mr Peanutbutter (Paul F. Thompkins) a navegar os desafios e problemas da vida adulta de formas diferentes, vida essa distorcida pela lente do mundo das celebridades, e vemos cada passo difícil, cada falhanço, cada relapso com esperança que talvez seja desta vez que tudo corra bem. Mas Bojack Horseman não acredita em caminhos fáceis, e mostra o quão trabalhoso melhorar-nos como pessoas realmente é. Bojack Horseman dedica-se a mostrar vida tal como ela é, sem rodeios nem enfeites, apenas uma sucessão de eventos ligados pelos traumas das personagens que a habitam. É um murro no estômago cada vez que algo corre mal, e um suspiro de alívio quando vemos alguma melhoria.


Foi uma experiência estranha, ver Bojack Horseman. A série distancia-se muito dos tradicionais elementos narrativos de série, e até os desconstrói: nem sempre podemos ser perdoados pelo mal que fazemos, mesmo se formos o protagonista; lidar com problemas como depressão ou alcoolismo não têm fim, são um processo constante até morrer; não importa os traumas que tens na tua vida, ultimamente és tu que és responsável pelas tuas ações, e és tu que tens de lidar com as consequências. São lições que, de certa forma, todos nós sabemos que são verdade, mas são demasiado deprimentes e realistas para serem mostradas na ficção.


Séries, filmes, videojogos, todos estes meios são usados quando queremos escapar a realidade, para nos distrair-nos dela. Bojack Horseman forçou-nos a olhar para a realidade, a refletir sobre nós, a olhar para nós próprios de forma nua e crua. Ao mesmo tempo, e apesar desse tom agressivamente realista e deprimente, a série dá-nos esperança: Bojack, apesar de talvez nunca poder ultrapassar a sua necessidade de atenção, está sóbrio no final da série; Princess Carolyn torna-se mãe e casa-se, preenchendo o vazio na sua vida pessoal, mas a relação profissional que ela tem com Bojack não pode voltar a acontecer. Não é um final completamente feliz, nem um final completamente triste. É um ponto de paragem, só e apenas. Mostra que a felicidade é um processo contínuo.


Bojack Horseman não é uma série para toda a gente. Muitas vezes, vai ser preciso parar e ver algo mais feliz, como vídeos de cachorrinhos, e o tom deprimente às vezes pode ser demais para poder continuar a acompanhar a série. Mas é uma série honesta e necessária para aqueles que precisam de alguma esperança, embrulhando a lição principal numa caixa de humor fantástico, histórias refrescantes e um mundo colorido. Nas palavras de um babuíno da série (a sua única fala, aliás), numa metáfora incrivelmente bem feita sobre viver: “Todos os dias torna-se mais fácil. Mas tens de fazê-lo todos os dias. É essa a parte difícil”.

Filipe Melo

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