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Dark (1ª Temporada): Um ciclo vicioso de miséria autoinfligida


Bem-vindos a Winden, uma pequena cidade alemã com uma central nuclear, que está em alvoroço à procura de Erik Obendorf (Paul Radom), um adolescente desaparecido. Jonas Kahnwald (Louis Hofmann), ainda abalado pelo suicídio repentino do pai, reencontra-se com os seus amigos e decidem juntos ir às cavernas de Winden nessa noite, onde Erik terá escondido toda a droga que vendia. As cavernas iluminam-se e um barulho ressoa, afugentando o bando de adolescentes e levando ao desaparecimento de mais uma criança, Mikkel Nielsen (Daan Lennard Liebrenz). Curiosamente, um evento muito semelhante aconteceu na mesma cidade há 33 anos: Mads Nielsen (Valentin Opperman), de 12 anos, também desapareceu. Estarão os casos ligados?


É esta a premissa da primeira temporada de Dark, a primeira série alemã da Netflix. Criada por Baran Bo Odar e Jantje Friese, a ação de Dark decorre não só no espaço, mas também no tempo. Com a presença de viagens no tempo nesta narrativa, Winden é representada nos anos de 1986 e 2019, indo para trás e para a frente dependendo das necessidades da história. As regras de viagens no tempo são interessantes: têm por base um ciclo de 33 anos, em que eventos semelhantes são repetidos. Pelo menos na primeira temporada, as viagens são possíveis através das cavernas de Winden, que ligam as duas datas.


Admito, adoro histórias que falam de viagens no tempo e paradoxos temporais. Dark aplica uma estética deprimente e algo existencialista a estes conceitos. Chove constantemente em Winden, os habitantes têm imensos segredos que os deixam infelizes, e, com eventos a repetirem-se, parece que uma espiral descendente de tragédia inevitável assombra a cidade. É como se a própria cidade causasse miséria em todos os que a habitam.


A cinematografia é muito boa, e gosto especialmente do uso do casaco de Jonas em várias cenas. A cor amarela brilhante contrasta vivamente com o cenário mais deslavado de cor, e puxa o olhar do espetador para o mesmo, dando o ponto de foco ao nosso protagonista. O uso de planos simétricos e match-cuts dão uma sensação de ordem e organização, meticuloso como um relógio. Ajuda também a realçar a natureza repetitiva do ciclo vicioso em que Winden se encontra presa.


Mas por falar em relógios, a banda sonora da série faz-me lembrar de um. Composta por Ben Frost, a música assemelha-se ao tique-taque, o passar do tempo, constante e imparável. O tom ligeiramente melancólico e triste das músicas combina bastante bem com a estética que a série quer usar. É lindo de se ouvir, como se estivéssemos à espera de um momento, contando cada minuto, cada segundo, até acontecer.


Em relação às personagens, depende muito de pessoa para pessoa. Todos os atores são incríveis, não há como negar. Representam pessoas complicadas, numa moralidade cinzento-escuro. As personagens, ou pelo menos a maioria delas, têm um lado negro que escondem, e a série até agora recusa-se a mostrar inocência pura. Mais ainda assim, com o elemento das viagens do tempo, Dark mostra as diferentes fases da vida de cada personagem, mostrando como se tornaram a pessoa que são em 2019, sem nunca fazer juízos de valor. É difícil encontrar alguém por quem torcer (para além de Jonas e Charlotte, que, para mim, são as únicas pessoas sãs na cidade inteira), e o facto dos atores conseguirem representar tão bem pessoas que conseguem ser muito horríveis pode, ironicamente, dissuadir quem quiser ver a série.


Dark não tem momentos levianos. Pelo menos na primeira temporada, a história retrata a infelicidade daqueles que estão presos em Winden, até subitamente nos esmurrar no estômago com uma revelação trágica. Poderá ser demasiado deprimente para ver. Mas é uma série incrivelmente bela, com uma história que parece ser meticulosamente planeada e pensada. Recomendo vivamente, e vou começar a segunda temporada assim que puder.


Filipe Melo

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