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Gravidade: Cinema no Século XXI



Todos os grandes realizadores olham para o passado da sua arte. Tentam perceber o que os mestres fizeram, como o fizeram e porque é que gostamos tanto deles. Assim se aprende aquilo que é uma profissão sem manual de instruções. Também podem olhar para os outros artistas que lhes são contemporâneos a fim de conseguirem reparar naquilo que estes andam a explorar. Assim conseguem perceber se querem levar o cinema numa direção semelhante ou oposta. Mas há outros que decidem olhar para o futuro, aliam a mais recente tecnologia para poderem criar uma maneira de produzir cinema como nunca antes visto. Alfonso Cuarón é um cineasta que se encaixa nestes três grupos. Os seus filmes exploram formas inovadoras de fazer cinema, e há bons exemplos disso. Em “Os Filhos do Homem”, a câmara moveu-se de uma forma perfeccionista e, juntamente com a coreografia dos atores, criou sequências inesquecíveis, com a delicadeza de um bailado; em “Roma”, a opção mais tradicional (pelo menos para um realizador de tão grande gabarito) seria filmar em película, de forma a atingir a mesma natureza que um filme rodado nos anos 70, mas Cuarón decidiu filmar digitalmente com a imagem mais nítida possível; em “Gravidade”, os efeitos especiais reinam para nos dar a sensação de que também nós estamos no espaço.


“Gravidade” é uma experiência claustrofóbica e tensa. Sentimo-nos fechados no espaço (a ironia da situação) e para onde quer que nos viremos, a morte olha diretamente para nós. Fugir não é algo simples, não podemos correr para longe dos nossos obstáculos e estamos presos por um fio (por vezes de uma forma literal). Começa de uma forma bastante simpática e agradável. Olhar para o nosso planeta é uma imagem lindíssima, e é tão bom fazer parte de uma expedição espacial e estar a flutuar de uma maneira livre e, mais importante, segura. E é aí que começa a tragédia e um bonito filme sobre o espaço se torna num espetáculo de horrores. Mal os detritos espaciais embatem na nave, o quadro maravilhoso que nos tinha sido pintado perde os seus tons claros e ganha cores exuberantes que elevam ao máximo os nossos sentidos. Falo metaforicamente (para não confundir com a real palete de cores do filme), e quero assim dizer que começa uma aventura altamente stressante.


Alfonso Cuarón usou todas as técnicas que tinha a seu dispor para exacerbar ao máximo a inquietação da sua audiência. Desde uma câmara que não para de se mexer e que segue constantemente as personagens de forma a intensificar a sensação de clausura aterradora, até às técnicas sonoras, um trabalho de excelência em “Gravidade”, com os pequenos sons que rastejam nos nossos ouvidos e parecem ficar presos na nossa pele e com o silêncio total do espaço que invade abruptamente o filme. Em certas situações, até parece ter retirado alguma inspiração de videojogos, que numa certa extensão, são trabalhos cinemáticos interativos. Em algumas vezes, coloca-nos na primeira pessoa e aí é que não há escapatória possível. Podemos achar que por estarmos fora da tela que não teremos tanto envolvimento emocional naquilo que está a ocorrer, mas Alfonso Cuarón fez questão de nos transportar para lá. Noutras, dá-nos um pequeno abrigo, como se estivéssemos a guardar o jogo e a relaxar antes de voltarmos a enfrentar os perigos do exterior. Num destes abrigos, há uma imagem de Sandra Bullock que relembra o feto de “2001: Odisseia No Espaço”, não há realizador que faça um filme espacial sem se lembrar de Stanley Kubrick, e ainda bem!


É relativamente curto, mas só é preciso hora e meia para entrarmos numa montanha-russa de emoções. Não daquelas que Martin Scorsese se refere quando comparou os filmes da Marvel a um parque de diversões, acredito que se ele tiver visto “Gravidade” terá reconhecido o seu valor. É uma experiência cativante e eletrizante que fará a nossa alma sair momentaneamente do nosso corpo. Ou isso, ou simplesmente fará o nosso corpo saltar da cadeira com o inesperado!


Manuel Fernandes

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