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Merlí, o professor e o estudante



Merlí, transmitida pela primeira vez em 2015 e criada por Héctor Lozano e Eduard Cortéz, segue a história de Merlí Bergeron (Francesc Orella), professor de filosofia, e um grupo de alunos que ele ensina ao longo de três anos. Sendo um drama adolescente, a série catalã aborda as temáticas habituais de identidade e relações interpessoais, desde problemas familiares, a questões sobre a sexualidade e a identidade de género, até gravidez adolescente. Cada um destes temas é analisado em torno de um filósofo ou corrente filosófica, referido sempre no título do episódio.


Ao nível da cinematografia, não há nada de muito interessante. Existem alguns episódios com montagens e planos algo cativantes, mas nada de extraordinário. A narrativa de cada episódio também se desenvolve dentro das normas do género televisivo, apesar de que com uma boa dose de franqueza e honestidade. Honestidade essa, na verdade, que se torna o grande ponto forte da série.

A química dos atores ajuda muito a vender a ideia de proximidade ao público. O diálogo rápido, por vezes intrometediço até, vende bem a ideia de serem adolescentes com relações pessoais próximas e íntimas, e os atores fazem os seus melhores papéis num grande grupo, com reações orgânicas e piadas leves a voarem de um lado para o outro. Pequenos detalhes caracterizam cada relacionamento: uma piada comum entre dois amigos, referências a eventos de episódios atrás contido num gesto.


Merlí não se intimida nem tenta suavizar as suas temáticas. A série consegue captar bem todas as paradoxalidades de ser adolescente, dos momentos de demonstrável inteligência mão em mão com as decisões mais estúpidas, e que como às vezes essas contradições não desaparecem na vida adulta. Os professores fazem tantos erros como os estudantes que ensinam, apenas sabem escondê-los e resolvê-los melhor.


Esta dicotomia de estudante-professor é outro grande tema da série. Cada temporada encara a relação que Merlí tem com os seus alunos. A primeira introduz-nos Merlí, tanto aos alunos tanto ao público, e desenvolve-se um período de conhecimento e confiança mútuos. Na segunda temporada, os alunos começam a ganhar autoconfiança e independência, tentando-se separar dos seus modelos anteriores e a pensar por si. Na terceira, há a relação mais interessante: os alunos já não precisam tanto dos seus professores, e há a separação destes de Merlí. A narrativa emocional acaba por ser Merlí a aprender a deixar os seus alunos seguirem em frente, para poderem continuar a crescer e a desenvolverem-se na vida adulta. Como cada temporada segue um ano de secundária, do 10º ao 12º, acaba por imitar bem o progresso habitual de alunos reais na escola.


Merlí acaba por se distinguir dos restantes dramas de adolescentes não com a sua história ou com a sua cinematografia, mas sim pela honestidade da vida adolescente que tanto estes como os seus pais conhecem. O papel da educação no desenvolvimento de jovens não deve ser rígido e inflexível, mas um processo fluído para adaptar a cada necessidade individual, de forma a ajudar no crescimento pessoal e académico dos alunos, para que estes sejam capazes de transmitir essa informação no futuro. Vem de um lugar de respeito e admiração mútuos, e, mesmo se formos adultos, dá para ver a série e rir-se com os erros que, com alguma sinceridade, talvez teríamos cometido também na nossa altura.


Filipe Melo

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