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The Good Place: uma retrospetiva


Este texto contém SPOILERS. You've been warned.


A 19 de Setembro de 2016, uma nova sitcom estreou, da mente de Michael Schur, o criativo por detrás de séries como Parks and Recreation e Brooklyn 99. A série tinha uma premissa inicial bastante simples: uma mulher, Eleanor Shellstrop (Kristen Bell), morre e vai parar ao Céu por engano, e agora tem de evitar ser descoberta.

A primeira temporada seguia o típico modelo de sitcom: o tema principal do episódio seria referido numa das aulas de filosofia que Eleanor tem com Chidi Anagonye (William Jackson Harper), um professor de filosofia perpetuamente ansioso e indeciso, com o objetivo de tornar Eleanor numa pessoa melhor. Esse tema depois seria aplicado às “situações” do episódio em questão, quando Eleanor interage com Tahani Al-jamil (Jameela Jamil), uma socialite arrogante, Jason Mendoza (Manny Jacinto), um floridiano na mesma situação que Eleanor, Michael (Ted Danson), o querido arquitecto do Céu onde Eleanor se encontra, e Janet (D’Arcy Carden), um repositório de todo o conhecimento do universo.

A série teve sucesso, graças a uma mistura de humor absurdo, personagens fortes e coloridas, e uma apresentação de morais e conceitos filosóficos de uma forma prática e cheia de nuances. Aliás, The Good Place tinha dois filósofos como consultores, um deles o autor de um livro que inspirou Schur a criar a série.

E depois o último episódio da temporada foi lançado.

A comunidade de fãs explodiu com a revelação de que Michael na verdade era um demónio e que todas as personagens estavam no Inferno a serem torturados. Vários eventos e piadas revelaram-se como pistas e dicas para o que realmente se estava a passar. Certas convenções narrativas tornaram-se em paródias de si próprio, como o triângulo amoroso e a “solução perfeita no momento mais crítico”. O mundo de The Good Place conhecido pelo espetador foi radicalmente alterado num final de temporada que nos deixava a querer mais.

A destruição da premissa na primeira temporada leva a uma certa evolução da sua pergunta principal. A pergunta deixou de ser apenas “Como nos tornamos numa pessoa boa?”, e passou a incluir “O que é uma pessoa boa?”. As personagens passam o resto da série a tentarem melhorar os seus comportamentos, mesmo Michael, o inimigo, e demonstram que, no fundo, nenhuma delas é má pessoa, apenas vítima dos meios em que cresceram.

Os meios em que crescemos é um tema que volta a ocorrer na terceira temporada, explorando a fundo as ramificações dos nossos atos no mundo, quer saibamos delas ou não. É um ponto importante dentro da própria narrativa, também: se o mundo ao nosso redor nos impede de ser ou tornar-nos éticos, o que se deve fazer? The Good Place apresentou uma resposta complicada de uma maneira palpável para o público, num misto de humor, gentileza e otimismo.

Esse otimismo talvez seja a maior força da série. Numa era de filmes e séries de tom mais cínico, bem como a confusão do mundo atual, The Good Place destaca-se claramente com um sol brilhante no meio do escuro, a acreditar naquilo que há de bom no ser humano. E, apesar de o otimismo poder parecer demasiado “açucarado” por vezes, a série nunca perde aquela voz alegre, misturado com lições difíceis, mas necessárias.

A nível de cinematografia, o trabalho de câmara era incrível. O timing cómico estava sempre no ponto, acompanhado de efeitos especiais fantásticos (na maioria das vezes; há episódios que se notam mesmo um greenscreen). Os planos eram vibrantes e iluminados, recheados com coisas suficientes para dar vida a um mundo bizarro e fantástico.

A narrativa é outra das maiores forças. Schur e o elenco criaram personagens incríveis com histórias ainda melhores. A história de Janet ao longo da série é talvez das minhas favoritas, tratando-se dela a aprender a ser humana. Não é algo óbvio, mas o facto de ela cumprir a sua função (ajudar humanos da melhor forma possível) torna-a próxima do resto das personagens, querida pelos mesmos. Eles, em torno, ajudam-na a navegar o lado mais emocional do espetro humano, que, por ser puramente racional, Janet não compreende.

A quarta temporada pega num conceito da primeira: O Inferno são as outras pessoas. Essa ideia é constantemente refutada ao longo da quarta temporada, e acaba por ser a mensagem principal da série. As personagens apoiam-se mutuamente, dão conselhos, e tentam que outros façam o mesmo. Os nossos atos têm consequências, sim, mas mesmo não sabendo todas as consequências que podem vir, não fazer nada é pior. Toda a gente pode melhorar, desde que queiram.

Na passada sexta, The Good Place estreou o último episódio. Deixam-nos quatro temporadas de 13 episódios cada, repletos de humor e sabedoria, e uma mensagem.

O Céu é as outras pessoas.


Filipe Melo

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