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A Favorita: A Luta Contra o Destino



O realizador grego, Yorgos Lanthimos, está gradualmente a tornar-se numa das grandes vozes do cinema do século XXI. Com o filme “Canino” de 2009, começou a ser reconhecido internacionalmente. E em 2015 já trabalhava com grandes nomes de Hollywood como Colin Farrell ou Nicole Kidman em filmes repletos de um humor negro e impassível. Tais títulos incluem “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” e “A Lagosta”, tendo este último título contado também com Rachel Weisz e Olivia Colman, duas das três protagonistas da sua mais recente longa-metragem, “A Favorita”. Recentemente lançou uma curta excelente de nome “Nimic”, e de momento não há qualquer menção a futuras longas-metragens, mas certamente que o desejo dos cinéfilos de uma nova produção de Lanthimos será ouvido.


Aquilo que rapidamente invade os olhos da audiência é o estilo visual do filme. Obviamente, relembra “Barry Lyndon” de Stanley Kubrick graças à sua luz natural, a forma como captura a nobreza britânica com seus excessos e roupas extravagantes e os ângulos pouco habituais da câmara. Mas Lanthimos não se cingiu a imitar o mestre e criar uma cópia visual do filme de Kubrick com o único objetivo de dizer que o seu filme poderia ser confundido com uma pintura. Seria um bom objetivo o de poder dizer que se equiparou aos feitos visuais de um filme de Stanley Kubrick, mas Yorgos Lanthimos quis ir mais longe. Através desta bela, mas invulgar cinematografia, consegue criar um certo afastamento emocional. Às vezes as cenas são tenebrosas por serem tão impessoais. Lanthimos quebra a forma como nos relacionamos com as personagens para criar tensão e uma certa inquietação. Sentimo-nos desassossegados e incapazes de sentir que as coisas estarão a correr bem. São elementos usados de uma forma brilhante para afetar a sua audiência. E já que falei no trabalho de cinematografia, a música também vem a calhar. Por vezes, ouvimos trechos de música clássica de excelentes compositores como Bach, Handel (com uma referência musical ao tema de Handel usado em “Barry Lyndon”) ou Vivaldi que nos transportam para o século XVIII. Outras vezes, os temas musicais são completamente sinistros, com uma única corda de um violino a ser repetidamente vibrada, e assim, o mesmo som é ouvido incessantemente e os nossos ouvidos pressentem que algo não estará bem.


Tudo isto alia-se à luta pelo poder entre todas as personagens do filme. Manipulação e traição estão presentes por toda a trama, não há simpatia nestas pessoas, elas usam-se umas às outras para conseguir o que querem. Exercem o seu ser sobre outros como víboras, fazendo por vezes passar o seu veneno por simpatia. Todos querem subir de estatuto e ganhar este jogo, e apesar de falarem galantemente e com muita educação, as palavras estão carregadas de violência. Esta luta concentra-se principalmente no trio composto pela Rainha Anne, Lady Sarah e Abigail. A primeira sofre constantemente à custa de maleitas físicas e procura algum conforto e uma certa aceitação por parte dos seus pares. É insegura e deixa-se controlar por Lady Sarah, relegando as suas funções como se algo de maior simplicidade se tratasse. Nada disto a preocupa, desde que a façam sentir-se amada. Assim, explora Sarah e Abigail, à sua maneira. Sarah é a favorita da Rainha, e é desta forma que ela consegue governar o reino, algo que não lhe compete. Mas este estatuto de favorita vem à custa de muita manipulação emocional exercida sobre a rainha. Já Abigail, é a personagem de estatuto mais inferior, mas não é por isso que não se trata de alguém acutilante. Ela pretende subir na hierarquia e fá-lo-á, independentemente do que tenha de fazer. Outras personagens, como Harley, também estão metidas neste género de intrigas e há um abuso constante das emoções e do poder.


Tal como os heróis da Grécia Antiga, as personagens lutam por atingirem patamares mais altos do que aqueles que lhes foram prometidos. Elas estão a lutar contra o Fado, o destino. Sabem que não lhes está destinado irem tão longe, por isso fazem de tudo para o conseguirem. Mas tal como Ícaro cujas asas de cera derreteram quando este se aproximou excessivamente do Sol e enfrentou uma perigosa queda, as personagens deste filme também se aproximam perigosamente de onde não devem estar e o resultado pode ser perigoso se não souberem respeitar o Fado.


“A Favorita” foi um dos grandes filmes da última década e é sempre bom relembrar a mestria na técnica, execução, atuação e realização do filme. Para além de que se trata de um filme bastante divertido e cheio de uma louca ironia que ajuda a sedimentar a sua reputação. Mal poderei esperar pelo próximo filme de Lanthimos!


Manuel Fernandes

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