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A Invenção de Hugo: O Cinema é Mágico



Para muita gente, Martin Scorsese é aquele tipo que faz filmes sobre mafiosos. Histórias violentas sobre a ascensão gloriosa e eventual queda desastrosa de criminosos que se divertiram a roubar os outros e a viver como reis. Mas Martin Scorsese é um cineasta de primeira, e consegue contar um milhão de histórias e experiências diferentes, tudo pelo seu amor à arte. Ele criou um épico religioso com “A Última Tentação de Cristo” (já abordado na Underscope), um romance de época com “A Idade da Inocência” ou um documentário musical com “A Última Valsa”. Também fez trabalhos nos quais o seu amor pelo cinema era o foco. O documentário de quase quatro horas “Uma Viagem Pessoal com Martin Scorsese pelo Cinema Americano” revela os filmes que mais o marcaram, quer como profissional, quer de uma forma mais íntima. Nele, Martin Scorsese demonstra ter uma paixão gigantesca pelo cinema. Daí que tenha decidido criar um filme sobre aquilo que gosta mais. E como não gosta só de um género, ou só de um movimento no cinema, mas sim dele como um todo, porque não ir até aos primórdios? Não falo dos irmãos Lumière, que sim, são os responsáveis pela existência de filmes. Falo de Georges Méliès, o ilusionista que se dedicou a criar a magia do cinema. O homem que maravilhou as primeiras audiências com curtos filmes que desafiavam os olhos e a realidade, desenvolvendo novas técnicas narrativas e efeitos especiais. O homem que criou um dos mais famosos, e, apesar de simples, apreciados filmes da história, “Viagem à Lua”.


Onde entra este jovem chamado Hugo, então? É uma pergunta pertinente para este filme. No entanto, o enredo é facilmente compreensível. Por isso, não há nada mais importante de referir neste filme do que aquilo que está no seu cerne. O amor pelo cinema e o respeito pela sua história. E não há nada que mais fala sobre o cinema que não o seu propósito como arte audiovisual. O cinema nasceu como uma vontade artística e tecnológica de conseguir exprimir novas ideias, quer fossem histórias, quer fossem ideais. Uma maneira de combinar as restantes artes, a fotografia, pintura, música, etc… numa só forma de expressão. É para isso que como humanos inventamos a linguagem e depois expandimos a mesma como outras formas de comunicação. Quando vemos um quadro ou ouvimos uma música, estamos a comunicar com a pessoa que criou isso. A vontade humana de criação para expandir as ideias que cada um tem a outro. Ou, a interpretação dessa vontade sob a forma de uma nova ideia por outra pessoa totalmente diferente. Por isso, é que Martin Scorsese teve tanto cuidado quando criou as imagens em “A Invenção de Hugo”. É notória e inegável a cinematografia lindíssima do filme. Cada fotografia foi estudada de uma forma perfeita para criar uma composição visual mágica que desafia os limites de toda a nossa imaginação. Martin Scorsese queria mostrar-nos o quão mágico pode ser ver um filme e entrar nesta conexão com o artista. Daí que o protagonista seja uma criança. Faz com que nós mesmos estejamos mais recetivos à ideia de olhar para o mundo com a aura mágica das crianças. Que nos maravilhemos por estas imagens e as exploremos e sintamos que somos uma parte neste planeta chamado Cinema.


E no processo, Scorsese não se esqueceu de homenagear os pais do cinema. Os homens e mulheres que foram essenciais para o cinema mudo e que moldaram para sempre o caminho do cinema. Uma das mais lindíssimas sequências passa-se numa sala de cinema, em que Hugo e Isabelle estão maravilhados a ver “O Homem Mosca” com a lenda cómica Harold Lloyd. De uma forma que provavelmente fez Scorsese relembrar como ele se sentia ao ir ao cinema na sua juventude. A forma como eu ainda me hoje me sinto quando estou numa sala de cinema e sou transportado para uma outra dimensão onde novas regras regem tudo o que se passa. E o autómato que Hugo se sente tão ligado? Não faz lembrar o robô em “Metrópolis” de Fritz Lang? E não é só por estar em França, berço do cinema, que Scorsese mostrou a sua gratidão, ele próprio incorporou, em algumas cenas, uma montagem rápida que relembra o Cinema Impressionista Francês. E o expoente desta ação é atingido quando Hugo e Isabelle folheiam um livro da História do cinema que rapidamente enumera os seguintes títulos (que eu consegui discriminar) que ganharam o seu lugar no panteão (para os menos curiosos, avancem para o parágrafo seguinte): “L’arrivé d’un train à la ciotat” dos irmãos Lumière; “The Kiss” de William Heise; “The Great Train Robbery” de Edwin S. Porter; “Intolerância” de D. W. Griffith; “Pamplinas Maquinista” de Buster Keaton; “A Boceta de Pandora” de Georg Wilhelm Pabst; “The Story of the Kelly Gang” de Charles Tait (confesso não ter a certeza se era este que vi); “O Gabinete do Doutor Caligari” de Robert Wiene; “O Garoto de Charlot” de Charlie Chaplin; “O Ladrão de Bagdad” de Raoul Walsh; até chegar a Georges Méliès, o homem que deu outro rumo ao cinema e tem como obra-prima “Viagem à Lua”.


“Se alguma vez te perguntares de onde vêm os teus sonhos. Olha à tua volta. É aqui que eles são feitos” é o que George Méliès diz durante a filmagem de um dos seus filmes, num flashback. É esta a mensagem principal de Martin Scorsese quando decidiu criar esta carta de amor ao cinema. É sobre deixar deixarmo-nos levar pela magia. É sobre ser criança outra vez. “A Invenção de Hugo” é dos mais lindíssimos filmes da última década cinemática e é também dos mais pessoais e que mais nos diz “sejam felizes”. Não é que até o próprio realizador aparece no filme, numa cena em que George Méliès é fotografado? E está com um sorriso enorme na cara. Nós também estaremos ao ver este filme com aventuras até mais não.

Manuel Fernandes

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