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A Velha Raposa vs. Indomável: Mesma Adaptação, Diferentes Resultados


A palavra remake é uma das mais assustadoras para os cinéfilos. Para os grandes produtores é sinónimo de cachê fácil, mas para os que gostam de cinema é um medo tremendo, pois a regra é pegar em grandes filmes e destruí-los, sem olhar para o trabalho original com respeito ou dar-lhe uma nova face. Recentemente, fala-se da possibilidade de sujeitar um clássico como “A Sombra do Caçador” a este processo em regra destrutivo. Porém, existem exceções à regra, como não poderia deixar de ser na História Humana. Este ano saiu o remake do clássico de terror “O Homem Invisível”, também com o mesmo nome, e que ainda não o tendo visto, confio na palavra de amigos e dos críticos que será um bom filme, ao ponto do seu realizador Leigh Whannell estar apontado como realizador nos próximos remakes do clássico de terror “O Homem Lobo” e do fantástico filme de John Carpenter, “Nova-York 1997.”. No entanto, a palavra remake não se adequa quando falamos de “A Velha Raposa” e de “Indomável”. Ambos adaptados do romance western “True Grit” (1968) do escritor americano Charles Portis. Americano é a palavra correta porque temos acesso direto a diálogos, temas e ações essencialmente americanos. O primeiro foi realizado por Henry Hathaway, em 1969, e contava com o famoso John Wayne no papel do xerife Rooster Cogburn, Kim Darby no seu mais famoso papel cinemático como Mattie Ross, e o cantor Glen Campbell como o ranger Texano La Boeuf, contando também com Robert Duvall e Dennis Hopper. O segundo filme de que falo, foi realizado pelos incríveis irmãos Coen, em 2010, tendo Jeff Bridges no papel de xerife, Hailee Steinfeld a fazer brilhantemente de Mattie Ross com apenas 14 anos, e Matt Damon como o ranger texano, juntando outros nomes como Josh Brolin e Domhnall Gleeson. Em “A Velha Raposa”, estamos perante um western que apesar de seguir as principais regras dos westerns americanos dos anos 50 e 60, torna-se um belíssimo filme por dar uma voz mais moderna ao passado. Não tem o espírito revolucionário de outros filmes dos finais dos anos 60, mas procura mostrar as distinções entre diferentes espíritos americanos (com os dois homens protagonistas) e como as vozes jovens e intrépidas procuram existir num mundo dominado pelos mais velhos. Já em “Indomável”, os irmãos Coen parecem ter-se afastado do seu estilo que assenta profundamente na sua filosofia (que não, não é niilista, apesar de não conseguir definir com certeza aquilo em que eles acreditarão) e procurado juntar-se à corrente western. Porém, não um western como aquele que conhecemos como mais típicos, ou neo-westerns como “Este País não é para Velhos” (também da autoria dos Coen), “Wind River” ou “Logan”, mas sim um western revisionista ou anti-western em que o mundo não é tão pintado em tons de preto e branco e a moralidade é bastante questionável. Tal diferença entre as duas obras, dever-se-á ao facto de Joel e Ethan Coen terem ignorado por completo o filme de 1969. No entanto, não podemos dizer que “A Velha Raposa” não entra no espírito de criar personagens com ações moralmente dúbias, ao contrário dos westerns com protagonistas heroicos que estão sempre dispostos a lutar com os vilões que transpiram maldade. Claro que tal se pode dever à adaptação do romance em que ambos os filmes se baseiam, mas por aí não poderei entrar por não o ter lido.

Em termos de enredo, ambos seguem proximamente os mesmos pontos de ação, com ligeiras diferenças. Em “Indomável” até somos presenteados com mais sequências. Já “A Velha Raposa” prefere passar mais tempo em cada sequência. No que toca às personagens, algumas diferenças são notáveis. Mesmo quando ambas dizem as mesmas linhas de diálogo, nota-se que só a maneira como proferem as palavras que não são os mesmos em cada filme. Rooster Cogburn é um velho bêbado com pouco respeito à vida humana se se tratarem de criminosos. Mas as diferenças entre ambos os atores em algo tão pequeno como a voz é suficiente para percebermos o quão distintos são. John Wayne mais autoritário com o seu timbre grave e sonante (e muito difícil de recriar diga-se de passagem) com a sua personagem menos “John Wayne” que tive o prazer de ver e sem esquecer um quê de rabugento neste papel. Jeff Bridges com o seu sotaque do Sul e uma voz algo mais sensata com indícios de alguma patetice. LaBoeuf, que à boa maneira texana desliga-se da pronúncia francesa para dizer “LaBeef” como um bom americano, é talvez a personagem que mais se distingue entre ambos, pois o LaBoeuf de de Campbell é um homem educado e charmoso que ao sentir-se atacado rasga essa máscara para mostrar o seu eu mais violento, apesar de manter o coração no sítio certo. Já o de Damon mostra a sua faceta mais desagradável de uma forma direta, mantendo, no entanto, algum charme nos momentos menos inesperados. Mattie Ross mostra-se um produto dos períodos em que nos encontramos. Ambas são raparigas fartas da dependência aos homens e decidem fazer as coisas à sua maneira. A de Steinfeld é menos passiva parece-me, tendo até um papel mais proeminente no filme, sendo que a segunda é retratada de uma forma mais secundária relativamente a John Wayne (ainda que mantendo bastante protagonismo) e mostrando-se de uma forma mais trapalhona até e menos séria que Steinfeld, provavelmente pelo facto de as crianças ainda não serem representadas de forma tão adulta no cinema americano (crianças eram apenas crianças).

Com estas diferenças, podemos separar bem os objetivos que ambos procuram atingir. “A Velha Raposa” dá-nos uma história de heróis improváveis. Uma criança que ninguém espera que consiga atingir alguma coisa, um xerife cuja imprudência tornam-no num poço de desconfiança para as restantes autoridades, e um ranger que esconde um homem destroçado pelas suas derrotas passadas como soldado da Confederação. Estas personagens ainda que com imensos defeitos e diferenças entre si, conseguem unir-se para fazer o correto e saldar uma dívida de vingança. E todos os elementos dos westerns estão lá. Cavalgadas espetaculares, duelos sangrentos, qualquer coisa que se poderia esperar do Oeste Americano, e mais um bocado que isso. É o material que faz lendas. Com “Indomável”, a comédia e a ética misturam-se para criar um trabalho com menor paixão pelo heroísmo e maior crítica deste mundo americano. A maior diferença no enredo estará até no facto de neste filme ser Mattie Ross quem mata Tom Chaney e não Rooster Cogburn, que nos diz simbolicamente que nem sempre temos que esperar que sejam os heróis a resolver as nossa batalhas (não criticando com isto o outro pois por vezes, em alturas de grande aperto, é bom termos a ajuda de amigos). A experiência torna-se também mais visual com a cinematografia espetacular de Roger Deakins que parece nunca falhar no seu trabalho. Apesar de ter uma ligeira predileção pelo trabalho dos irmãos Coen (apesar de gostar de ambos os filmes, há sempre algo mais emocionante quando se trata de um estilo mais pessoal), afirmo com total certeza que estamos perante filmes excelentes que mostram o quão diferentes e ainda assim especiais podem ser duas obras que nascem da mesma fonte. E o próprio fosse geracional evidencia bem as diferenças que podemos apreciar com a nossa visão contemporânea. Se viram o mais recente, fica a sugestão de olhar para o mais antigo e vice-versa. Se o caro leitor não viu nenhum dos dois, então já tem um filme para ver neste fim-de-semana.


Manuel Fernandes

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