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A Vida de Brian: A Alegria da Conformação



Uma multidão inteira a gritar “Sim, somos todos diferentes” com uma única voz respondendo timidamente “Eu não sou”, é só um dos muitos, hilariantes e inteligentíssimos momentos que os Monty Phyton nos proporcionaram com “A Vida de Brian”. Neste segmento, temos uma das mais prevalentes ideias neste filme, a de não nos regermos pela doutrina de seguir o rebanho. E assim, assumir as nossas diferenças e compreender a liberdade de termos as nossas próprias ideias. Ironicamente, a única pessoa que afirma tal pensamento é aquela que face ao ensinamento do profeta, diz que não é diferente de ninguém e apenas mais um, acabando por ir contra o cântico dos demais, quando advoga que é só mais um. Que momento magnífico!


Depois de “Monty Python e o Cálice Sagrado”, a cómica trupe britânica continuou a sua jornada cinemática com uma história nos tempos de Cristo (financiada por George Harrison dos Beatles) sem realmente recorrer à figura de Jesus Cristo como fonte de risadas. No seu lugar, temos Brian que infelizmente nasceu no mesmo dia que a dita figura, e não só no seu dia de nascimento como em demais momentos da sua vida, acaba por ser confundido com o Messias. O único momento em que verdadeiramente vemos Jesus, é numa das primeiras cenas em que numa das suas pregações, aqueles que se encontram na traseira do aglomerado de pessoas confundem a maioria das suas palavras, tornando “Abençoados sejam os humildes” em “Abençoados sejam os queijeiros”, algo que todos aceitam com bastante naturalidade sem questionar o que realmente significam estas palavras, nem que impacto é que elas têm no mundo real. Todo o filme se apoia na máxima da confusão e conformação, no perigo da doutrinação que não se baseia em princípios como a lógica ou sequer o sentimento. E graças ao mundo absurdo e ridiculamente engraçado que os Python criam, entendemos (com recurso a muitos risos) que está na pessoa/indivíduo o poder de realmente mudar o mundo.


Em Brian, temos um pobre coitado que vive sozinho com sua mãe. Esta que está sempre afirmando que tudo aquilo que ele faz e procura fazer é apenas pensar em raparigas, algo que não está totalmente longe da realidade. Face à notícia de que seu pai era romano, e vendo uma jovem atraente, Brian junta-se à Frente dos Povos da Judeia (não confundir com a totalmente diferente Frente dos Povos Judeus, esses traidores), um rebelde grupo que procura livrar os hebreus do domínio Romano, apesar de por vezes aparentarem querer rebelar apenas porque têm essa possibilidade. Brian mostra o seu valor ao pintar repetidamente paredes com a inscrição “Romani ite domum”, após uma lição de gramática, e é aceite no grupo. Mas na primeira tentativa de ação por parte da Frente, esta encontra um grupo aparentemente rival, pois pensam da mesma forma que eles, têm os mesmo objetivos mas, simplesmente, são “outros” e por isso estão errados e não merecem a nossa ajuda. Mesmo com Brian a apelar que devem juntar-se e lutar contra o inimigo comum, eles batalham-se pois só a ideologia de um grupo pode estar certa! Mesmo que essa ideologia seja a mesma que a do outro grupo. A ironia é fenomenal.




Este evento leva a uma das mais divertidas cenas que resultaram da improvisação na História do cinema. Brian é capturado e levado a Pôncio Pilatos, revelando ser romano de sangue, informação que não é levada a sério e leva ao conhecimento de que Pilatos tem um amigo chamado Biggus Dickus. Imediatamente, o nome começa a provocar alguns risos nos soldados, mas o mais curioso é que estes figurantes não deveriam estar a rir-se nesta altura e simplesmente não se conseguiam controlar. Tentando não escapar das suas personagens, os figurantes esforçaram-se por manter-se sérios mas Michael Palin não permitiu isso e continuou na sua personagem, mostrando-se incrédulo com o facto dos seus soldados acharem o nome do seu amigo uma piada. E no meio desta azáfama, Brian consegue escapar e começa uma corrida desenfreada à procura de refúgio da tirania Romana. A única maneira que ele encontra de escapar é assumindo o papel de pregador. Um de vários que se encontram nas ruas gritando ideias sem sentido ou contando histórias sobre o seu dia-a-dia a altos berros. Desta forma, inicia-se o fim de Brian, pois se ele queria simplesmente encontrar-se a si no mundo e também encontrar raparigas que se interessassem no seu nariz, acaba por se tornar naquilo que os restantes procuravam e transferiram para ele. Começa um processo em que todos idealizam Brian da forma que eles querem e sem olhar para Brian com os seus próprios olhos. Assumindo este papel, ele vai inventando parábolas na esperança que os Romanos não reparem que na verdade se está a esconder. Todos os seus discursos são sistematicamente questionados e inevitavelmente rejeitados por não se adequarem ao que a audiência pensa, mas quando Brian para de falar pois já não precisa de se disfarçar, aquilo que ele não diz (por não ter nada a dizer) torna-se mais importante do que aquilo que ele tentou dizer inicialmente. Um culto desenvolve-se com base na sua pessoa, pois neste homem estão todas as respostas à miséria e males do mundo. É este homem quem devemos seguir, este homem que ao fugir de nós deixou cair um sapato e portanto nos está a mostrar que devemos largar um dos nossos sapatos e interpretar este sinal como uma metáfora profunda e inteligente. Tudo o que se segue é uma errada compreensão das palavras de um homem que grita que não é o Messias, mas a multidão afirma reconhecer um Messias pois já seguiu alguns, o que evidencia a falta de critério e pensamento crítico da população. O único que rejeita este Messias, pois tem a noção que Brian é apenas Brian e não a fonte dos nossos sonhos, é apelidado de descrente e seguem-se as palavras “Persigam e matem o herege!”, algo que acaba por ser cumprido e Brian não consegue fazer nada pois nada que ele diga ou tente fazer será visto da forma objetiva que ele pretende. É a tristeza dos cultos obsessivos, tudo que se opõe é uma farsa nesta doutrina. “Ele não é o Messias, é um miúdo muito maroto”, diz a mãe de Brian.


Infelizmente, Brian acaba por ser capturado e começa o processo de crucificação. Os heróis ganham mais valor quando são mártires, mesmo que sejam apenas o símbolo do que queremos que sejam e não aquilo que verdadeiramente são. Com Brian quase a ficar preso a um destino terrível, Pôncio Pilatos liberta uma destas pobres almas, como prenda de Roma ao povo Judeu. Falamos de Brian, felizmente. Mas graças a mais um problema de compreensão, o prisioneiro errado é libertado, mesmo com este a dizer com toda a certeza que não é ele quem deve ser libertado e assim Brian, que só queria miúdas, tornou-se o símbolo de um culto que nunca quis fazer parte. Não há nada a fazer senão “Olhar para o lado positivo da vida”. Literalmente, não resta mais nada a Brian.


No meio de tanta palhaçada (algo que até os mais sérios vão achar difícil de apreciar), encontramos uma engenhosa obra que usa o pensamento para sarcasticamente apontar aqueles que sofrem da maleita de não usar a cabeça. Um filme que foi publicitado na Suécia como “Tão divertido que foi banido na Noruega”. Algo que acabou mesmo por acontecer. Felizmente, nos dias de hoje, os nossos amigos noruegueses já podem ver “A Vida de Brian” como os restantes. E as nossas amigas também… sem terem que usar uma barba falsa.




Manuel Fernandes

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