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Amarcord: Voltar Atrás



Em 2020 celebrou-se o centésimo aniversário de Federico Fellini, mas em 2021 ou qualquer outro ano é uma boa altura para celebrar o cineasta italiano. Em tantas obras icónicas, uma que é igualmente aclamada quanto “La Dolce Vita” ou “Fellini 8½”, apesar de não tão relembrada é “Amarcord”. Um título estranho, mas Amarcord significa… hum, não sei se realmente tem algum significado. Supostamente, virá do dialeto romagnol, nomeadamente a expressão “a m'arcôrd” que significa “eu recordo”. A palavra acabou por ser incorporada na língua italiana como “amarcord” com o significado de “evocação nostálgica” e será este a melhor forma de descrever esta obra de Fellini.


Retornemos ao passado, à Itália fascista dos anos 30. Este simples pensamento faz-nos pensar em filmes como “A Vida é Bela”, pois se retornamos a esta época da História da Europa, não há como evitar falar do ambiente sociopolítico. E realmente não há, mas não é como se não houvesse vida na altura, ou que as crianças tivessem sido impedidas de ter uma infância ou adolescência. Em “Amarcord”, Fellini explora a sua identidade nacional, e também a ele mesmo, sendo que a vida de Fellini fará muitos dos espectadores relembrarem-se das suas próprias vidas. Além disso, o estilo louco, absurdo, quase a roçar o surrealismo de Fellini está de volta. Desde “La Dolce Vita” que os seus filmes abandonaram as suas raízes neorrealistas italianas e tornaram-se naquilo a que associamos a Federico Fellini, um espetáculo, quase um circo cinemático com música e animação.


Esta obra está dividida numa série de sequências/vinhetas. Não têm necessariamente de estar narrativamente relacionadas umas com as outras, não é como se os vários momentos da nossa vida tivessem uma relação evidente entre cada um. O protagonista é Titta, um adolescente que será um Fellini semifictício e semiautobiográfico cuja vida está espelhada no ecrã e com ela as infantilidades que advêm da idade. Ou melhor dito, que advêm da sociedade em que está inserido. Assumir que certos comportamentos são provocados somente pela idade é ignorar todo o contexto em que a pessoa existe. E a Itália em que vive Titta é uma dominada pela Igreja e pelo fascismo. Facilmente vemos as diferenças entre o ontem e hoje, a Igreja tinha um poder enorme na educação e o fascismo respirava livremente por toda a população. Fellini usa então o seu catálogo de personagens excêntricas para criticar e revelar o quão ridículos certos comportamentos eram, e ainda assim funcionavam como a norma social.


E pois claro, o amor pelo cinema também teria de estar representado. Fellini inclui uma das sequências mais memoráveis do filme. Titta entra num cinema completamente vazio, com exceção da bela e sensual Gradisca. A luz do projetor servia como holofote para Gradisca e o desejo de Titta vai aumentando. Senta-se num dos lugares vazios, mas acaba por saltitar entre cadeiras a fim de finalmente se sentar à beira da maravilhosa e inalcançável Gradisca. Este comportamento é evocativo das paixões jovens que todos tivemos. Claro que não pela mulher mais belas da aldeia, mas esta desastrada forma de se tentar aproximar de outra pessoa para começar um ato de intimidade é facilmente reconhecível.


“Amarcord” pede-nos que paremos e que olhemos para trás. Para uma altura que parecia mais fácil, e faz-nos pensar se seria assim tão fácil. Apesar do seu estilo cómico e dos imensos sorrisos e risadas ao longo das várias histórias, a reflexão revela um pensamento mais pesado e as tristes realidades do mundo. A ironia da comédia é assim representada.


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