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Another Round: Um Monstro Silencioso Chamado Álcool

Atualizado: 16 de mar. de 2021



Para alguns, Mads Mikkelsen pode ser um nome difícil de associar a uma cara. Mas se for dito “o vilão do Casino Royale” ou “aquele ator que faz de Hannibal Lecter na série”, toda a gente sabe de quem falamos. Este ator dinamarquês marcou-me exatamente por esses papéis que referi. Não obstante, foi em “The Hunt” que pude conhecer a sua melhor prestação, um filme que convenceu e apaixonou os fãs do cinema a desvendarem mais obras estrangeiras. O sucesso foi tão grande que em “Another Round” a fórmula repetiu-se para garantir a mesma projeção. Refiro-me à dupla entre Mads Mikkelsen e Thomas Vinterberg, este último o realizador. Foram capazes de partilhar ao público um filme cujo produto final pretende colocar na mesma linha de proporção a igualdade entre homens e mulheres, no que toca ao tema do envelhecimento. Isto porque é mais usual em filmes uma abordagem mais feminina no âmbito do peso da meia idade, quase que parece que os homens são imunes a crises existenciais. Portanto, este filme veio quebrar essas barreiras para permitir perceber o peso da meia idade na cabeça de um homem (neste caso vários homens).


Nesta longa metragem acompanhamos quatro professores do Ensino Médio/Secundário Dinamarquês que colocam em prática uma teoria de um filósofo norueguês, que refere que o Homem nasce com um nível de álcool no sangue muito baixo, precisamente 0,5 graus a menos do que o ideal. Neste seguimento, os professores começam a ingerir bebidas alcoólicas diariamente, quer em casa, quer no trabalho. Claro que lendo só esta parte do argumento parece um bocado ridículo esta premissa assim isolada. Todavia, o relevante é a esfera da realidade que motiva as personagens a embarcarem numa jornada com pouca sobriedade, sem esquecer as consequências benéficas e prejudiciais que podem advir a longo prazo. Este grupo de académicos possuem vidas pessoais não muito diferentes entre eles, uns estão divididos na área da solidão, e outros sofrem de problemas matrimoniais. A rotina monótona que durou anos colocou-os num abismo do qual não possuem salvação própria. Até porque beber como sabem não resolve problema algum, funciona como um escape para ofuscar algum assunto do qual não queremos ocupar o nosso caudal de pensamento. A bebida enganou a mente dos professores, que no início até constataram claros progressos na sua vida profissional, mas que depois não foram capazes de se controlar, subindo sempre o nível de ingestão de álcool, ao ponto de ter sido necessário um acontecimento traumático para colocarem um ponto final.


Mads Mikkelsen é claramente o foco das atenções, constantemente com os holofotes a seguirem o seu percurso. É nele que vemos o ponto de situação que o motivou a sua personagem a tomar a decisão de beber álcool constantemente, e é com ele que percebemos os contextos que os seus amigos se inserem. O professor Martin (Mads Mikkelsen) é o nosso veículo que nos conduz por todas as arestas da sua vida e pelas dificuldades das outras personagens, sem esquecer os membros da sua família que vão sofrer os efeitos colaterais da sua decisão. O ator não desilude, emprega bem as caraterísticas da sua personagem numa constante jornada que requer o espelhar de diferentes emoções. Normalmente costuma-se dizer que um ator é versátil quando é capaz de fazer diferentes personagens em diferentes filmes. Neste caso, Mads Mikkelsen é capaz de fazer esse êxito só num filme, pois a sua personagem muda no decorrer da narrativa, e de forma bastante gradual, sem nenhum tipo de pressa ou correria.


A grande beleza deste filme é que o diretor pretende que nós percebamos que a obra gira mais em torno da busca do pertencer e vencer do que apenas um moral sobre o alcoolismo. Vai um pouco mais além do que a viagem entre o céu e o inferno patrocinada pelo vício do álcool que atua como um monstro silencioso. Aliás, durante o argumento é claro de igual maneira a facilidade de se conseguir arranjar álcool como a facilidade de que como somos enganados quando se ri, dança e vivemos sobre o seu efeito. Outro fator importante é que a obra utiliza personagens que possuem uma boa vida com problemas que muitos de nós temos, ou seja, não são exceções à regra que navegam no meio de alicerces depressivos, são apenas pessoas normais que entram num mundo silencioso repleto de decadência.


Um filme que poderá marcar lugar nas nomeações dos óscares e que nos traz uma abordagem humana com homens sensíveis, que choram, que conversam entre si sobre os problemas, ou seja, o lado da ansiedade, da busca do agradar e de fazer o certo ocupam um certo lugar no filme. No fundo, um filme sobre um vício comum, com camadas suficientes para nos presentear uma abordagem ampla num registo quase documental e irreverente que se adequa muita bem nesta viagem alcoólica. Deixo aqui uma nota especial para apreciarem o momento final de Mads Mikkelsen repleto de um brilhantismo absoluto.


Diogo Ribeiro

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