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Barry Lyndon como retrato da moralidade do mundo



Na mais sincera das opiniões, dificilmente acrescentarei algo de novo àquilo que muitos críticos, historiadores, audiências ou cineastas manifestaram sobre o brilhantismo de Stanley Kubrick. Génio, megalomaníaco, perfeccionista, inovador, um homem muito (muitíssimo até) à frente do seu tempo, entre todo um conjunto de palavras que adjetivam uma das mais proeminentes figuras da História do cinema que conta no seu espólio com tão reconhecidas obras como “2001: Odisseia no Espaço”, “Shining”, “Doutor Estranho Amor”, etc... Mas talvez uma cairá por vezes esquecida nas nossas mentes… refiro-me a “Barry Lyndon”, a obra-prima Kubrickiana mais vezes olvidada. Num conjunto de trabalhos que foram extensamente revistos e analisados, torna-se evidente (após uma breve pesquisa) que “Barry Lyndon” não sofreu o mesmo tratamento. Tal se deverá ao conjunto de trabalho em que se insere? Ao facto de ser uma peça de período cujos eventos ocorrem no século XVIII? Não me encontro na capacidade de explicar tal situação, no entanto, após ter visto este filme pela primeira vez, não tive qualquer dúvida que esta foi uma fantástica experiência cinemática que certamente reverei no futuro para vir.

Divido em duas partes e adaptado do romance “The Luck of Barry Lyndon”, Stanley Kubrick apresenta-nos no protagonista um retrato da humanidade e da vida aliado à frieza que os seus outros filmes nos habituaram. E por mais espetaculares que sejam os triunfos e derrotas do herói, aquilo que mais se destaca é a bela cinematografia com luz natural que tanto afamou o filme. Com o propósito de trazer ao grande ecrã pinturas a óleo que subitamente ganham vida, este tratamento dá outra camada à aventura visual que Barry Lyndon nos oferece, desafiando as audiências também ao andamento mais lento em contraste com o cinema em constante evolução dos anos 70, e o contemporâneo que permitem não só, apreciar com mais detalhe os “quadros” presenteados,  como também refletir sobre as sequências acabadas de ver.

Passando a uma análise mais crua e refletiva, “arry Lyndon” abre com o tom que nos acompanha durante as suas três horas e cinco minutos de extensão, aquele do humor negro e fatalista. Citando o narrador (em terceira pessoa):


“Barry's father had been bred, like many sons of genteel families...

...to the profession of the law. There is no doubt he would've made an eminent figure in his profession...

...had he not been killed in a duel...

...which arose over the purchase of some horses.”


Esta descrição será possivelmente uma das mais importantes pois moldará e espelhará os eventos futuros de Redmond Barry. Um homem jovem com um fogo incessante em si, que vive num mundo de repressão social cujas regras de boa conduta são, muitas vezes, simples proibições e inibições da natureza humana. Estamos perante um irlandês que se deseja elevar a patamares dos quais a vida e a fortuna não parecem desejar. Parece até que o infortúnio o persegue, como que desejando uma resignação à sua condição de simples homem, ficando a aspiração a gentil cavalheiro com poder e respeito para os sonhos e romances. E seria este o reflexo de Redmond Barry, não estivéssemos perante “Os meios pelos quais Redmond Barry adquiriu o estilo e título de Barry Lyndon” (é assim descrita a primeira parte do filme), pois por breves momentos, as que outrora eram utópicas idealizações, tornam-se a realidade sob a forma de um casamento com direito a estatuto e riqueza. E assim seria um conto sobre luta e conquista contra tudo e contra todos. Mas Barry Lyndon não é um homem dotado somente de qualidades, e os seus defeitos trarão a sua derrota na segunda parte do filme apresentada como “Contendo um relato dos infortúnios e desastres que assolaram Barry Lyndon”.

Não pormenorizando nos eventos desta metade, os vícios e ações passadas trarão a Barry Lyndon a sua eventual queda do lugar que tanto cobiçara. Agora um homem mais velho, Barry tem no seu enteado, Lord Bullingdon, o seu rival para o restante do filme. Movido por ódio e desejo de vingança por todas as vicissitudes e desgraças que Barry trouxe à casa Lyndon, Lord Bullingdon acabará por atirar Barry Lyndon para uma cova que ele mesmo foi lentamente cavando durante toda a sua vida. Um castigo talvez demasiado cruel, não tivéssemos presenciado o crescimento de Redmond Barry a uma possível nobreza, não no que toca a título, mas sim de espírito, representada por um simples disparo de uma pistola contra o chão. Infelizmente, o mundo não reconhece tais atos e alguns homens necessitam de obter satisfação pelas afrontas dos inimigos. E assim retorna Barry ao seu passado. Mais velho, mais pobre, com menos de si (literal e figurativamente). Não encontramos redenção senão no cartão final que termina esta saga: “Foi no reino de George III que as supramencionadas personagens viveram e discutiram; boas ou más, belas ou feias, ricas ou pobres, são todas iguais, agora”.

Assim, com ênfase nesta personagem, vimos o desenvolvimento e real crescimento da vida não de um homem só, mas sim de todos aqueles que alguma vez pisarão este mundo. Sentimos as vitórias e identificamo-nos nos falhanços. Quer os atos de bondade nos tenham prendido ao respeito, quer os seus pecados nos tenham levado a repudiar este homem, inegavelmente, nele encontramos a nossa própria pessoa que amou, escondeu, lutou, enganou, mentiu, beneficiou, ajudou e muito mais que isso simplesmente viveu. Podemos escolher ver Barry Lyndon como uma forma muito aproximada à literatura com a intenção de trazer escárnio à alta sociedade. Podemos ver como beleza cinematográfica e um festim para os nossos olhos. Ou podemos escolher ver como uma avaliação da moralidade do Homem (com uma lente mais escuro que aquela que normalmente usamos). Nele vejo tudo isso e vejo a obra-prima por vezes esquecida de Stanley Kubrick. Sarabande de Handel não voltará a ser ouvida da mesma forma, disso tenho a certeza.

Manuel Fernandes



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