Existem filmes de animação que nos marcam para sempre. Uns porque se revestem de alto valor emocional, outros por fazerem parte da nossa infância, e outros porque arrecadaram um grande mediatismo. Tenho muitos filmes que cumprem esses requisitos dentro da minha bagagem cinematográfica, mas existe um critério que costumo apreciar bastante. Refiro-me à aleatoriedade, conjugada claro com um bom argumento, personagens desenvolvidas e mensagens a transmitir aos mais novos. Esse registo aleatório a que me refiro nota-se em certos momentos dedicados inteiramente a piadas isoladas, ou certos maneirismos de personagens claramente construídas para provocar gargalhadas no público. Já que vou analisar um filme da DreamWorks, vou somaticamente recomendar alguns filmes desta companhia que possuem um alinhamento mais aleatório. Shark Tale é o primeiro exemplo declarado nesse sentido, com silêncios constrangedores que interrompem o diálogo, sem esquecer a cena da morte do irmão do protagonista que possui um pormenor caricato. Depois, e provavelmente o mais aleatório, “Monsters vs Aliens”, no qual a personagem chamada Bob é um poço de fatores surpreendentes, sempre pronto a proporcionar uma grande gargalhada, sem esquecer a mítica cena em que o general apresenta os monstros ao presidente dos EUA. Por último, não tão aleatório como estes dois que referi, mas “Megamind” também é capaz de escavar fora da caixa e oferecer um produto fora do habitual.
“Bee Movie” parte de um alicerce comum a outros filmes, em que a personagem principal não se conjuga com a sociedade em que está inserido, nomeadamente com a monotonia do quotidiano e com o cumprimento das regras. Barry, o protagonista, não pretende trabalhar até ao fim da sua vida a cumprir unicamente uma função, e sente que o mundo exterior à colmeia é capaz de oferecer novos caminhos. A oportunidade de integrar a equipa das abelhas que recolhem o pólen é lhe oferecida, e Barry, de forma aleatória, acaba por parar num apartamento de uma mulher que possui uma loja de flores. Vanessa é o motor e a força de Barry ao longo do filme, numa espécie de amizade romântica entre mulher e abelha. À medida que essa relação se desenvolve, Barry percebe que as pessoas consomem o mel que as abelhas batalham para produzir, e decide processar a raça humana por roubarem o mel. O protagonista descobre a sua vocação, e com muito trabalho consegue que o mel seja devolvido às abelhas. Este processo judicial reveste-se de uma grande aleatoriedade perspicaz. Com algumas piadas relacionadas com o tema da advocacia, com menções a pessoas como o cantor Sting (que aparece no filme inclusivamente), com o aparecimento em meio tribunal do urso que aparece no filme “Over the Hedge” e do urso Winnie the Pooh, esta sequência de imagens torna-se a melhor do filme. Aliás, para mim todo o processo judicial é a principal chama desta longa metragem animada.
Como era de supor, o facto de o lado de Barry ter vencido o julgamento ia causar algumas consequências. As abelhas pararam de trabalhar, e com o passar do tempo todas as flores começaram a murchar. Barry compreende que as abelhas possuem um enorme propósito no mundo e usa as suas forças para reverter a situação que provocou. Aqui está a mensagem moral acerca da natureza que as crianças conseguem captar muito facilmente. É verdade que o tema da justiça pode não ser o petisco favorito dos mais pequenos, até mesmo por causa de piadas mais destinadas ao público mais velho, mas a mensagem que é transmitida só seria possível daquela forma. E nem são muitos os filmes que abordam essa perspetiva da preservação da natureza, portanto é um grande mérito o filme ter cumprido com distinção esse ponto específico.
Em suma, “Bee Movie” pode não possuir aquela carga emocional que muitos grandes filmes animados possuem e que é logo um fator para elevar essas mesmas obras ao mais alto nível, mas consegue surpreender por juntar elementos conhecidos ao público numa perspetiva pouco usual, retratando algo que marca o nosso quotidiano. Dentro da vasta gama de filmes da Dreamworks, considero que “Bee Movie” possui o humor mais inteligente e uma das mensagens mais educativas e fáceis de compreender. A meu ver, o extraordinário é a moldagem do produto final com toques aleatórios que vão ficar na minha memória para sempre.
Diogo Ribeiro
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