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Burden of Dreams: Para os Sonhadores… Parte II



“Fitzcarraldo” é um filme impressionante, Werner Herzog nunca faz o seu trabalho pela metade e procura sempre fazer o máximo possível pela experiência cinemática, explorando limites que a maioria dos cineastas não se atreve sequer a imaginar. Mas se “Fitzcarraldo” é por si só algo de inaudito, então da criação do filme nem se fala. Podemos comparar o próprio Werner Herzog à personagem que ele criou. Um homem a lutar por um sonho impossível. Fitzcarraldo desejava a ópera em Inquitos e acabou por mover um barco gigantesco por cima de uma montanha. Werner Herzog desejava criar “Fitzcarraldo” e para isso teve de mover um barco gigantesco por cima de uma montanha. Les Blank imortalizou toda esta viagem no seu documentário “Burden of Dreams” e o resultado é sensacional.


Poderia centrar-me na produção e filmagem em si. Seria algo de um cariz bastante interessante, visto que este filme moveu conflitos políticos entre tribos indígenas, criou controvérsia jornalística, mostrou os perigos de viver durante tanto tempo numa selva (constantemente vendo o orçamento a esgotar), e agraciou-nos com o enorme desafio de engendrar um sistema que permitisse fazer um barco com mais de 300 toneladas subir uma montanha. Mas prefiro centrar-me no homem por trás do projeto. Afinal de contas, tanto “Fitzcarraldo” como “Burden of Dreams” são essencialmente histórias sobre sonhadores e Werner Herzog foi um desses que sonhou e foi até aos limites dos limites para conseguir que o seu projeto se tornasse realidade. Werner Herzog disse até “Se eu abandonar este projeto, eu sou um homem sem sonhos e assim eu não quero viver. Eu vivo a minha vida ou eu acabo a minha vida com este projeto”.


Há um episódio bastante interessante, neste filme, em que temos acesso ao que “Fitzcarraldo” seria e ao que acabou por ser. Inicialmente, Brian Sweeney Fitzgerald ia ser interpretado pelo premiado Jason Robards (conhecido por “Aconteceu no Oeste”, “Os Homens do Presidente” ou “Magnolia”) e seria acompanhado pelo seu assistente Wilbur, um papel que tinha caído nas mãos do mundialmente famoso Mick Jagger (que atuou em “Performance” de Nicolas Roeg). E é bastante curiosa pois o Fitzcarraldo de Jason Robards era um homem entusiasmado, cujos sonhos eram partilhados por outro e que iria abraçar este projeto com um sorriso na cara. Contrapondo a Fitzcarraldo de Klaus Kinski que é dotado de uma intensidade excêntrica, no entanto, apunhalada pelo desespero do passado e um sentimento de que este sonho é a única chance de redimir por uma vida de falhanços. Quase imita Werner Herzog durante a produção do filme. Ele perdeu a sua estrela que adoeceu com disenteria e que depois não pode retornar por ordem médica e cinco semanas depois perdeu Mick Jagger que tinha compromissos com os Rolling Stones que não poderiam ser adiados. Werner Herzog referiu-se a este facto (o de não ter podido ver o seu trabalho com Mick Jagger dado como terminado) como o maior azar que teve como cineasta. Ficou tão desapontado com tal que rescreveu o guião, riscando a personagem de Wilbur por completo. Como substituto, Herzog tinha em mente… ele mesmo, no caso de Klaus Kinski não estar disponível para as filmagens. E seria extraordinário vê-lo nesse papel, outras atuações de Herzog mostram que ele é um bom ator para além de um excelente realizador e argumentista, mas sinto uma satisfação enorme em ver Kinski neste papel. Parece que Klaus Kinski nasceu para atuar nos filmes de Werner Herzog. Werner Herzog traria ao papel a sua própria pessoa, que estava a viver exatamente o mesmo que a personagem de Fitzcarraldo vivia, mas Kinski é uma ator demasiado brilhante para ser substituído num papel que nasceu para interpretar (e o mesmo pode-se dizer das suas outras colaborações com Herzog, “Aguirre, a Cólera de Deus”, “Nosferatu, o Fantasma da Noite”, “Woyzeck – O Solado Atraiçoado” e “Cobra Verde”).



O mérito não é só de Herzog que não só passou pelo inferno para fazer este filme, como discursou de uma forma excelente quando falou das coisas que o atormentaram durante a produção, tal como quando se referiu à selva como “um esmagador e coletivo assassínio”, indo mais longe a dizer que “os pássaros não cantam, eles guincham com dor” que exemplifica na perfeição o quão mal se sentiu por causa do seu sonho “impossível”, apesar de amar aquele ambiente, contra o seu juízo que lhe dizia o contrário. Les Blank foi fenomenal na forma como captou estes eventos, estas conversas e tudo aquilo que permitiu compor não um simples documentário, mas um trabalho artístico e poético sobre o desespero humano pela criação. É um filme de proporções gigantescas e épico. É a definição de ter amor pela arte e por querer trazer ao mundo algo maior que nós próprios e que viverá durante muito tempo. Não falo só de Werner Herzog, também de Les Blank pois ele também esteve lá e não se cingiu a ligar uma câmara e filmar o que se passava. Ele contou uma história fascinante da melhor maneira possível. E é assim que se faz um documentário.



Manuel Fernandes

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