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Cape Fear: Construção do Medo


A dupla Martin Scorsese e Robert De Niro é quase sempre sinónimo de qualidade. Exemplos como: Taxi Driver, Raging Bull e Goodfellas confirmam a frase anterior. Neste sentido, com este texto pretendo enaltecer mais uma obra desse dueto que merece mais reconhecimento, pois acredito que quando pensamos na união do realizador e do ator, o nome deste filme fica fora do nosso caudal de pensamento. Outro fator que quero mencionar nesta fase mais introdutória reveste-se num elemento que muitos filmes de terror/suspense hoje em dia tentam alcançar mas que não conseguem por falta de esforço, refiro-me ao desconforto e repulsa que o espectador possa sentir ao ver um filme. Por último, afirmo desde já que este projeto cinematográfico não é de todo o melhor trabalho de Martin Scorsese, mas não deixa de ser um filme que vai marcar a nossa memória por algum tempo.


Somos rapidamente apresentados a Max Cady, um violador que foi condenado a 14 anos na prisão, e que no início do filme, mesmo após o cumprimento da sua pena, transparece de forma cirúrgica uma sede de vingança enorme. O alvo é o seu ex-advogado de defesa, Sam Bowden (Nick Nolte), que não impediu a sua condenação. Se o foco do protagonista é o ex-advogado, o foco do filme é a relação de ambos. Perversidade, medo, loucura, assédio, traição e vingança são elementos que elevam a violência do filme e que marcam a forma como lidam um com o outro. Aliás, o próprio realizador prepara-nos para um filme agressivo com o estilo dos créditos de abertura, transporta-nos para um filme de Alfred Hitchcock por momentos.



Toda a perseguição de Max não possui como objetivo final uma morte lenta ou rápida do advogado, até porque ambos conversam diversas vezes e calmamente durante o filme. O protagonista pretende que Sam perceba vários pontos: o tempo de vida que ele perdeu, a família que o abandonou, as experiências que sofreu enquanto recluso, e o significado disso tudo antes de se atingir o climáx que está anunciado mas sem momento marcado. Acrescento que numa das cenas iniciais, Max seguiu os passos do advogado, e este, já cansado de sentir esse "fantasma" na sua vida, decide oferecer dinheiro para se livrar da sua presença de forma definitiva. Max assumiu que iria receber 50.000 euros pelos 14 anos na prisão, e através de cálculos mentais chegou ao valor que corresponderia por cada dia, isto tudo para que o advogado perceba que não há nenhum tipo de oferta que limpe os anos que perdeu. Quando vi o filme percebi logo que Max não iria desistir e que era uma questão de tempo para que os dois se confrontassem até que um perdesse a vida. Mas até lá, Max vai moendo a mente de Sam, persegue-o constantemente para todo o lado. E como é óbvio, os membros da família do advogado também serão vítimas por consequência. Mas Max ainda consegue ir mais além. O advogado possuía uma amante que ninguém conhecia, até por que aparentava que tinham todo o cuidado quando se encontravam. De forma repentina, Max encontra-se num bar com essa tal amante, e é notório que as coisas não vão acabar bem. Ela não morre, nem é isso que Max ambiciona como já disse, mas algo fez para incomodar o advogado, o que irá conduzir a que a sua esposa saiba da traição. Mas o nosso antagonista ainda vai mais além disso, entra num esquema meio romântico e sedutor com a filha do advogado, e a própria cai nos seus encantos, ao mesmo tempo que sente medo do que ele possa fazer. Esta vítima inocente é a porta de abertura para a destruição emocional da família Bowden, tudo graças à ira de Max.


Ao longo dos 128 minutos de tempo de tela, " O Cabo do Medo" exibe desempenhos dramáticos de excelência, acompanhados por escolhas de ordem estética que transforma o filme num deslumbrante espetáculo de horror. A trilha sonora emula o clima de mistério dos filmes de horror clássicos, adorno das imagens expostas por meio de cortes frenéticos incomuns na cinematografia de Scorsese. O ritmo dinâmico de algumas passagens não impede o espectador de contemplar o excelente design de produção de Henry Bumstead, captado e apresentado por meio da direção de fotografia de Freddie Francis, eficiente no uso dos enquadramentos, na composição temporal dos planos e na movimentação sofisticada.


Diante do exposto, Cabo do Medo dialoga com temas complexos e polémicos, tais como a violação e o tabu das relações sexuais, além de trazer a insegurança diante de uma polícia ineficaz, uma esposa para ser decifrada, entre outros elementos. Com sua masculinidade testada diante dos desafios múltiplos, Sam Bowden viverá momentos de instabilidade física e emocional, além da sensação de impotência em ter que enfrentar a soma de todos os seus medos, numa situação que o faz sentir-se o “homem errado”. A sua filha é tão distante e apática quanto a filha de Lester em "American Beauty". A esposa, insatisfeita, exala a possibilidade de adultério por todos os poros. É nesse clima de tensão que a personagem segue a sua vida, ameaçada pela onipresença de Max Cady, cada vez mais adaptada para o contato físico, anunciado entre o meio e o desfecho, através da histérica e sensacional trilha sonora que constrói uma orquestração do horror ideal para o embate na curva dramática numa região pantanosa.


Esta obra cinematográfica é quase uma homenagem aos filmes de Hitchcock, e não se trata apenas de uma faixa de referências vulgares e sem função narrativa. Isso torna o filme digno de se manter entre os melhores filmes de suspense da década em que foi lançado.


Diogo Ribeiro

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