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Cinema Paradiso: A Verdadeira Homenagem ao Cinema



Ao ver Cinema Paradiso, tive a convicção de algo que me acompanha em reflexões sobre a minha trajetória no campo da crítica cinematográfica. Sou da geração contemporânea, que procura filmes e trailers pelo Youtube, Netflix e outros plataformas, coleciono DVD'S, um recurso que nos anos 1990 não era possível. Geralmente os membros de gerações anteriores são nostálgicos e tornam-se pessoas sempre presas ao seu tempo histórico memorialístico, condenando práticas atuais. Não sou desses, mas confesso que adoraria sentir a magia em ter ficado horas na fila de um cinema, interessado em ver filmes como “The Shining”, “Silence of the Lambs”, “Titanic”, “Pulpficiton” entre outras obras. A sala de cinema da época, sofisticada e com aspetos estruturais de teatro, já não existe. Cinema Paradiso possui a mesma abordagem, pois relembra um tipo de exibição cinematográfica que é diferente à do contexto atual.


Em Cinema Paradiso a narrativa é simples, mas não menos encantadora: Totó (Salvatore Cascio), cujo grande amigo Alfredo (Philippe Noiret) é o projetista do cinema, cria as suas fantasias infantis que vão de Bergman a Chaplin. Inicialmente contrariado, Alfredo com o tempo cede espaço para os encantos do menino. Torna-se, inclusive, o seu herói. Certo dia, ao ter gastado o dinheiro do pão e do leite para bilhetes do cinema, Totó é salvo por Alfredo, que lhe compra as coisas e entende o cotidiano sofrido da criança, que é disciplinado com agressividade pela mãe solteira.


Há um incêndio que muda a configuração local e Totó é a única solução para assumir o controlo das projeções, isto porque Alfredo perdeu a visão durante o acidente e acaba por ser salvo pelo nosso protagonista. A paixão anteriormente amadora torna-se remunerada. A relação problemática com a mãe também muda, pois esta passa a respeitar mais o ofício do filho. Após uma desilusão amorosa, Totó deixa o local e vai para Roma, retornando 30 anos depois, com a morte de Alfredo.

No que tange aos aspetos estruturais, Cinema Paradiso possui um excelente trabalho de cenografia e montagem. A direção de arte ganha bastante com a conceção do espaço de exibição de filmes, uma típica sala de cinema nos moldes dos cinemas de rua, espaço alcançado por poucos membros da geração cinéfila contemporânea. A montagem assinada por Mario Morra justapõe os elementos do filme com as cenas de produções clássicas exibidas e mescla um interessante exercício de exibição. Temos nesse processo o uso do ritmo poético nas cenas, numa espécie de cinema de poesia, sem esquecer a forma como a montagem intercala cenas de outros filmes que marcaram a história do cinema, juntamente com a trajetória de Salvatore.


O figurino, sob a responsabilidade de Beatrice Bordone, assume o caráter humilde do período, além da fotografia eficiente de Blasci Fiurato. Em suma, uma equipe competente e comprometida, bem como envolvida com o diretor. A trilha sonora é um deleite. Composta por Ennio Moricone, parceiro em outras investidas do diretor, é quase uma sessão de meditação. A sua presença envolve-nos num feixe de sensações nostálgicas que nos remetem aos fatores intrínsecos da nossa própria existência. Para quem é um cinéfilo inveterado, daqueles colecionadores de cartazes e que se arrepiam até com as promessas de um bom trailer, as situações de Cinema Paradiso parece uma adaptação cinematográfica de nossas vidas.


A cenografia possui um diálogo interessante com a seara temática ao tratar das ruínas, debate que nos remete aos estudos sobre a memória e o patrimônio cultural. Os escombros que adornam as ruas de uma região em crise após a Segunda Grande Guerra Mundial simbolizam uma civilização em declínio. Cabe ressaltar, porém, que a metáfora não é apenas da civilização, mas da indústria do cinema de maneira geral. A substituição do cinema pelo parque de estacionamento é a representação da reciclagem de um patrimônio cultural por um espaço sem significância artística e desumanizado, e temos aqui umas cenas mais difíceis de ver, isto porque este segmento advém do funeral de Alfredo (algo que já sabíamos desde o início do filme, mas que ainda assim custa) e também porque é quase obrigatório afeiçoarmo-nos ao cinema em si.


Entre outras discussões temáticas sobre o filme, temos a figura do padre como representação da censura. As cenas tórridas de amor envolvendo beijos e carícias eram editadas após a análise do padre. A censura, palavra-chave vigente no decorrer do percurso histórico do cinema encontra uma abordagem irónica em Cinema Paradiso.


Emocionante, Cinema Paradiso possui um amplo feixe de alcance entre os amantes do cinema em escala mundial. É um filme com aspetos do dito “cinema de arte”. Ao longo dos seus 123 minutos, Giuseppe Tornatore consegue manter uma direção firme e lírica, o que resultou num dos melhores exercícios da metalinguagem da história do cinema recente. Os resultados em bilheteria e crítica confirmam: não há nenhum manual de “filmes obrigatórios”, “imperdíveis” e “mais fascinantes” que não ofereça Cinema Paradiso como uma das produções.


Vencedor do Globo de Ouro e do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, o filme ainda levou o prêmio do Júri em 1989, no Festival de Cannes, além de ser indicado à Palma de Ouro. Uma produção imperdível para cinéfilos, críticos e admiradores da arte ou do gênero dramático. Confesso ser quase impossível ver o filme sem sentir emoção ou derramar algumas lágrimas, tamanha a singeleza e carisma dos personagens e da intrusiva (e apaixonante) trilha sonora, que conferem ao filme os alicerces necessário para concluirmos que Cinema Paradiso é a verdadeira homenagem ao cinema.


Diogo Ribeiro

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