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Conhecer Antoine Doinel: Amor em Fuga



Começou em 1959 com “Os quatrocentos Golpes” e terminou vinte anos depois em 1979 com “Amor em Fuga”. Talvez François Truffaut pretendesse dar um final diferente à sua famosa personagem, mas a sua morte prematura impediu-o de concluir os seus planos de realizar trinta longas-metragens, ficando a vinte e cinco filmes do seu objetivo. Provavelmente não pretendesse continuar a usar Antoine Doinel para os seus planos cinemáticos, visto que tudo neste filme indicia uma vontade de terminar esta história com chave de ouro. Todas as narrativas iniciadas nos quatro filmes anteriores tornam-se fechadas e, muitos vezes, são usadas imagens de filmes anteriores. Ainda assim, nenhuma das sequelas daquele que é considerada a sua obra-prima fica aquém de quaisquer expectativas. E em “Amor em Fuga”, Antoine Doinel já é um homem feito, no entanto, não são os seus 34 anos de idade que lhe deram algum juízo.


A primeira coisa que notamos é na ausência de Christine Darbon, a miúda por quem se apaixonara em “Beijos Roubados” e a mulher com quem casara em “Domicílio Conjugal”. Acreditávamos que os eventos infelizes da sua relação poderiam ser ultrapassados, mas assim não foi, talvez pelo melhor. Ele agora está com uma mulher mais nova que ele, quase dez anos, tratando-se de uma relação aparentemente fogosa. Poderíamos esquecer isto tudo, o tema musical do filme é fantástico e nele nos sentimos perdidos, mas há que voltar ao mundo deste filme.



Christine e Antoine estão presentemente a passar por um processo de divórcio e durante a viagem relembram o passado. Nenhum dos dois o diz, mas os seus olhares confirmam que pensam nos belos momentos do passado. Sorriem, mas rapidamente se desvanece a figura que fazem com os lábios, afastam o olhar e a fronte triste perde-se no horizonte. “O incrível por vezes é real” diz Antoine Doinel.


Terminado o divórcio, quem é que volta também a aparecer em mais outra história de Antoine Doinel? Pois claro, a elusiva Colette, que escapou dos desejos de paixão de Antoine Doinel. Ao contrário da sua aparição em “Beijos Roubados”, a sua presença não se cinge simplesmente a meios diálogos de poucos segundos. Ela que agora é advogada, tem uma presença mais proeminente na história de Antoine. Ela vai funcionar como o ponto de realismo do filme. É ela quem ouve as fantasias românticas de Antoine Doinel e fá-las cair por terra. Antoine adora a ideia de romantismo, mas não consegue aceitar o que daí pode advir, a realidade não é tão bonita como a fantasia de duas pessoas perfeitas uma para a outra. Também finalmente percebemos porque é que Colette parecia puxá-lo para ela, mas depois tão friamente se afastava. Como se diz, há sempre duas versões da mesma história.


Além disso, é a partir de Colette que temos acesso à nova história romântica de Antoine. Romântica ou manipuladora? Poderá ser o amor manipulativo e poderão todas as histórias de romance que nos aquecem o coração ser mais feias do que aquilo que realmente parecem?


É em “Amor em Fuga” que François Truffaut analisa os temas românticos e absurdamente encantadores de seus outros filmes e tenta mostrar à audiência que, para a maioria, são apenas filmes e fantasias, não aquilo que rege a realidade… em certas partes. Porque para cada personagem realista, há uma personagem romântica. Para cada boa lembrança do passado, há evidências de momentos tristes e pesados. O amor necessita de ambas as partes talvez. Será um casamento entre a loucura que é deixar-se levar pelo sentimento maldito de estar no céu e o pessimismo que é perceber que nem todas as coisas são tão belas quanto queiramos que elas sejam. E é assim, para mim, trata-se de equilíbrio. Acredito que para Truffaut tivesse sido o mesmo.


Manuel Fernandes

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