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Conhecer Antoine Doinel: Beijos Roubados



Seis anos depois dos seus pequenos incidentes com Colette, Antoine Doinel, agora com 23 anos, tem mais alguma maturidade, mas continua a mesma pessoa de sempre. Continua com o seu bom olho para sarilhos e os primeiros minutos do filme assim nos mostram. Em “Os quatrocentos Golpes” vimos a sua infância atribulada e o seu desejo de ser livre, para além da sua irreverência total. Em “Antoine & Colette”, descobrimos o quanto ele se dá ao amor. Em “Beijos Roubados” misturam-se estas qualidades todas e podemos explorar assim a juventude da idade adulta. Apesar de nos filmes anteriores, François Truffaut ter mostrado ser um mestre do drama e do drama romântico, neste filme, ele mostra a sua aptidão na comédia romântica. Os outros a preto e branco, que ficam muito bem quando procuramos um mundo de maior tristeza. Com este e os seguintes a cores temos maior acesso à diversão do mundo e ao ridículo da natureza humana.


Antoine Doinel terminou o serviço militar, ou melhor dito, foi dispensado por ser considerado não apto para o trabalho. Começamos mal Antoine! Sem trabalho, procura a pessoa que, neste momento, mais o faz mexer. Vai a casa de Christine Darbon, e assim somos introduzidos a uma outra personagem frequente na história de Antoine Doinel. Não presencialmente, ela só aparece mais tarde. Na casa, apenas estão os pais de Christine, que à semelhança dos pais de Colette, gostam imenso de Antoine. Christine Darbon é a paixão mais recente de Doinel. Ao contrário da mais fria Colette, ela também nutre um carinho pelo “malandreco” que nós adoramos. Desta vez, Antoine não está às mãos de um carinho platónico, mas sim o carinho que nos faz querer trocar olhares proibidos, quase criminosos. E já que falei de Colette, François Truffaut não se esqueceu dela, ela tem direito a uma aparição de alguns segundos no filme. Para o caso de sentirmos que era preciso algo que fechasse essa narrativa, ela tem um encontro fortuito com Antoine e descobrimos que está casada e tem um filho ou filha, não confirmou. Fica subentendido que Antoine não terá desistido dela logo a seguir aos eventos de “Antoine & Colette”, mas até o mais romântico dos românticos tem de saber quando desistir. Antoine conseguiu libertar-se e agora podemos torcer por ele, nesta relação que certamente terá tudo a correr bem.


Jean-Pierre Léaud, que interpreta esta personagem, foi um dos mais importantes atores da Nouvelle Vague, trabalhando com François Truffaut, Jean-Luc Godard, Philippe Garrel, Luc Moullet, Jacques Rivette, Jean Eustache, entre outros. Ele tinha uma facilidade em dar um carisma extremo às suas personagens. Aos catorze anos, a sua atuação em “Os quatrocentos Golpes”, que até envolveu cenas improvisadas por ele, provou ao mundo que estaríamos na presença de um ator para a história. E as suas capacidades como ator estão ao rubro em “Beijos Roubados”! Desde a sua linguagem corporal (recordemos o espetáculo de magia onde Christine lhe segura a mão e ele com um deslizar do dedo de uma forma suave na mão dela, faz-lhe perceber que ele está a precisar de todos os seus dedos naquele momento), aos seus discursos rápidos, lentos, altos, baixos, e sempre sem perder a magia. E da mesma forma que ele dá esse toque de classe a todas as personagens que interpreta, a personagem de Antoine Doinel nunca parece uma impossibilidade. A sua evolução ao longo das diferentes fases da sua vida faz todo o sentido, pois nunca deixamos de sentir que é a mesma pessoa.


Mas voltando a Doinel. Uma comédia com a liberdade da Nouvelle Vague necessita do seu quê de loucura, e Truffaut não se esqueceu disso. Desde o emprego que Antoine arranjou como investigador privado, à aleatoriedade das pessoas que encontra na rua e terminando com as suas escapadelas românticas, a narrativa toma direções inesperadas e divertidas. Uma das minhas sequências preferidas acontece na investigação que ele tem de fazer na loja de sapatos. Fingindo candidatar-se ao trabalho, o proprietário da loja faz um teste falso no qual Antoine será o “melhor candidato” para o emprego. Vence quem tiver a melhor apresentação no período estipulado. Antoine não percebe nada do assunto, e claro é aquele quem faz o pior trabalho. Os outros todos fazem um trabalho impecável, mas o proprietário diz com toda a certeza que Antoine é ideal para este emprego. Assim nos divertimos com “Beijos Roubados”.

Manuel Fernandes

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