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Duck Soup: Uma Hora de Caos



“Os Grandes Aldrabões” é o título português do filme americano dos irmãos Marx, de 1933, “Duck Soup”. Este título vem de uma expressão já não comummente usada que exprime a ideia de algo que é fácil de fazer, que se faz sem esforço, e isso é já uma expressão bastante sucinta daquilo que vamos ver quando nos sentamos para ver estes quatro irmãos a fazer aquilo que eles melhor fazem, fazer-nos rir com coisas que não fazem sentido nenhum. Para quem não os conhece, estes irmãos não têm qualquer relação com o famoso Karl Marx nem iremos ver uma sátira política que reverencia o comunismo, para ser sincero, apesar de muitas vezes ser definido dessa forma, “Duck Soup” não é, para mim, uma sátira política no sentido puro daquilo que isso quer dizer. Vejo mais como aquilo que os irmãos Marx representam nos anais do cinema, a existência do caos que não podemos controlar ou sequer prever. De facto, o único sistema político que vejo em toda as suas atuações é o de um governo anárquico em que tudo é permitido se for divertido.


As personagens destes irmãos têm nomes próprios, mas quando vejo um filme deles, nunca os consigo ver fora da sua pele, vejo-os sempre como eles a fazerem as manobras mais bizarras da forma mais hilariante e criativa possível. Groucho Marx era tido como o líder, tratava-se um fala-barato com uma língua afiada (e se acham que ele é atrevido nos filmes, vejam entrevistas, a velocidade das suas respostas dele é brutal e quase ninguém consegue competir com ele numa luta verbal) e a sua maquilhagem, com sobrancelhas preenchidas, uns óculos enormes e um bigode desenhado deu origem a uma máscara comum para o Carnaval e as mais variadas festas de máscaras. Chico, com o seu sotaque italiano e capacidades musicais, acompanhando-se de atuações no seu piano, procurava sempre os melhores negócios. Harpo é o irmão silencioso que fala altíssimo com a sua pantomima, mostrando o lado mais emocional do grupo. Zeppo é o irmão mais alto e também o mais “normal” entre os três, mostrando o lado racional do mundo que é assolado pela loucura. Não seria por isso mais adequado que a cidade ficcional em que a ação se passa se chama “Freedonia” que poderia traduzir como “Libertónia”, sendo de certa forma um convite para a liberdade louca que as personagens nos farão passar. Este país está com graves dificuldades financeiras e em risco de ser anexado pelo seu vizinho, “Sylvania”. Groucho Marx (nem me irei dar ao trabalho de o chamar Rufus T. Firefly pois para mim, é sempre o Groucho Marx) é selecionado como a pessoa mais competente para mudar o rumo deste país, porém, quando este começa a cantar, reparamos que as sua forma de governar não será tão “Libertónia” quanto isso. Refere que é proibido fumar, contar piadas porcas ou mascar chiclete até. Qualquer forma de prazer será punida e segundo ele “ninguém recebe subornos sem partilhar comigo”. E os seus amigos são trazidos para os mais elevados cargos sem terem competência para tal. Parecem os fundamentos de um ditador ou de um simples incompetente. Parece fácil descreditar alguém que assim age, no entanto, o seu opositor não procura mostrar-se melhor candidato do que ele, mas sim desenterrar os podres que ele possa ter para o fazer cair do seu posto e depois avançar. E enquanto isto decorre, temos um humor completamente caótico e surreal. As piadas não são clichês, e os seus remates são completamente imprevisíveis, de um humor absurdo e bizarro (que pessoalmente, acho hilariante). E as sequências parecem saídas de um espetáculo de circo em que os objetos mais aleatórios vão aparecendo sem qualquer sinal de virem acompanhados de alguma lógica.


Algumas das cenas mais famosas que os Marx trouxeram ao cinema provêm deste filme, entre a qual a infame sequência do espelho, em que a semelhança entre os dois personagens é tão brutal e a sequência em si tão disparatada que seria mesmo de questionar se as próprias personagens do filme percebem se o mundo de que fazem parte, é desprovido de quaisquer regras coerentes. Porque sem dúvida que não, tudo é permitido e as cenas finais de uma guerra travada de forma absolutamente ilógica são a prova disso. As partes que mais piada acho, aparecem nesta fase do filme, por exemplo, quando Groucho sob a ameaça de fogo, pede o seu stradivarius e ao receber uma caixa de violino, no seu interior não está um precioso instrumento, mas sim uma metralhadora. Ou quando, de seguida ao momento do violino, (e é complicado trazer o brilhantismo cómico de Groucho Marx para o papel) Groucho começa a disparar contra os inimigos e congratulando-se por tal dizendo coisas como “Olha para eles, fogem como ratos” ou “Lembra-me de presentear a mim mesmo com a medalha Firefly”, acabando por ser avisado de que estava a disparar nos seus próprios homens. A solução para o erro? Subornar o soldado para evitar que fale, apesar de nunca lhe dar o dinheiro e ficar com ele.


E por mais caótico que seja, não nos esqueçamos de toda a política que o filme faz por gozar. Durante a sequência de guerra, há uma grande alternação entre vários fatos usados em várias guerras. As músicas com letras absurdas relembram os hinos patrióticos dos sistemas políticos que mais horrores cometeram (no passado ou no presente), os líderes não têm a capacidade de governar nem procuram governar, mas sim defender ideias próprias mascaradas de princípios fundamentais como a identidade do país. As Guerras são tratadas como brincadeiras pois quem morre são os jovens e não quem está à frente do país. E nos lembrarmos que isto foi no ano de 33, parece mesmo o protótipo daquilo que começava a passar em países como (aquele que está na boca de todos) a Alemanha nazi. “Duck Soup” não é só um trabalho importante do cinema pelo seu interesse histórico na forma como o humor era usado. Faz-nos olhar para questões ainda hoje essenciais, atreve-nos a fazer rir com aquilo que de mais parvo há e está cheio de cenas que ainda com quase 90 anos, são originais. Deixem-se levar pelo mundo louco dos irmãos Marx, onde aqui a anarquia é a solução.


Manuel Fernandes

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