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Easy Rider: Romper com a Tradição


Nos anos 60, Hollywood já não tinha o poderio da sua época dourada. As audiências estavam fartas de ver os mesmo filmes reciclados com as estrelas do costume no cartaz. Musicais, épicos bíblicos, dramas e comédias leves dominavam as salas de cinema e o público queria novas vozes e novos filmes para ver, onde estivessem presentes novos ideais das gerações que se sentiam silenciadas. Dennis Hopper, que já tinha participado em filmes como “Fúria de Viver”, “O Gigante” (ambos com James Dean) ou “O Presidiário” (com Paul Newman), mostrou a sua criatividade jovial ao juntar-se a Pete Fonda para criar um western moderno sobre dois motociclistas errantes, no meio de uma cultura que não os queria (uma ideia original de Fonda). O filme foi feito, na sua maioria, sem um guião, com recurso a improviso e muito rock n’ roll. Mas porque é “Easy Rider” tão importante como filme independente numa época em que Hollywood se estava a perder? A verdade é que, nos Estados Unidos, o cinema independente já era relevante, especialmente com realizadores como John Cassavetes com inúmeras inovações no que toca à forma como os filmes eram filmados, atuados e o que merecia ser filmado. E filmes como “A Primeira Noite”, e “Bonnie e Clyde” desafiavam as audiências com temáticas que poucos procuravam mostrar, e a violência que tanto era evitada, respetivamente. “Easy Rider” criou um novo mercado para o cinema, o das pessoas mais jovens que se estavam a afastar das salas por não se sentirem ouvidas ou representadas. Numa altura tumultuosa na História dos Estados Unidos, diga-se de passagem. Inclusive, juntamente com os outros filmes referidos, marcou o início do movimento de “A Nova Hollywood” em que o realizador ganhou maior preponderância na criação artística nos filmes (os chamados autores), permitindo uma maior liberdade artística sem tanta influência do estúdio, algo que grandes realizadores, nomeadamente Orson Welles, viram-se obrigados a sofrer, com suas obras a serem “massacradas” em detrimento de um possível sucesso comercial.


O filme torna-nos em errantes viajantes. Ao estilo de uma road trip, subimos para o lugar de passageiro nestas duas motas e vamos viajando pelo Sul dos States, assistindo à inúmera mostra de variedades culturais, num país que vagueia entre a repressão de pensamento e a abertura à inovação. Mais importante nisto tudo, podemos assistir à contracultura americana dos anos 60, à qual associamos os hippies, com seus pensamentos psicadélicos, cheios de música rock pura e muita droga à mistura, e a forma como destoa da cultura mais conservadora e antiquada que assentava na tradição e valores essencialmente familiares.

Wyatt e Billy são os protagonistas da trama. Após terem traficado droga, desde o México até Los Angeles, decidem fazer uma viagem pelo país com o objetivo de chegar a tempo do festival Mardi Gras em Lousiana, Nova Orleães. Tal como as personagens do filme, não nos são dados pontos específicos e relevantes do enredo. Não há uma estrutura do género - a partir do ponto A procuramos chegar ao B, desse ao C e assim sucessivamente até ser atingido o objetivo final e consequente resolução. Somos levados, por Wyatt e Billy por uma viagem espiritual por um país “desconhecido” na esperança de nos conhecermos a nós próprios e aos outros. Vamos conhecendo caricatas personagens, como o advogado George Hanson (interpretado por um jovem Jack Nicholson, numa atuação que lhe valeu a sua primeira nomeação a um óscar e lançou-o para o sucesso cinemático) que com o seu cabelo cortado e roupas elegantes se junta aos motoqueiros de cabelo compridos, barbas por fazer e roupas alternativas. Face à diferença das personagens, as reações são diversas. Alguns recebem-nos de bom grado nas suas famílias, como um agricultor no início do filme e uma comunidade hippie. Outros apaixonam-se pelo breve reflexo de um mundo que sonham ter, como jovens raparigas de uma zona rural. Outros, motivados pelo medo, respondem ou com violência ou criando uma “parede” entre si e os estranhos. Numa das várias noites passadas ao relento da fogueira, George afirma “O que vocês significam para eles é a liberdade”, “Mas falar dela e pô-la em prática são duas coisas diferentes. É difícil falar de liberdade quando somos moeda de troca. Não lhes digam que eles não são livres porque desatam a matar e a estropiar para provar que são. Falam até à exaustão acerca da liberdade individual. Mas ficam assustados quando veem um tipo livre”.


Talvez não haja maior liberdade que conduzir numa estrada deserta com música rock a bombar. São das minhas cenas preferidas, quando vislumbramos as paisagens maravilhosas do mundo americano ao som dos The Byrds e The Band (também vemos o famoso Monument Valley onde John Ford criou muitos dos seus grandes trabalhos, uma pequena homenagem de Dennis Hopper). E quem pode esquecer o maravilhoso “Born to be Wild” dos Steppenwolf que tudo nos diz sobre o que vemos. É a loucura dos jovens como muitos dirão. E talvez não haja maior loucura que a sequência em que vemos a trip psicadélica. Filmada em 16mm, com uma edição estonteante e criativa, cheia de cortes rápidas, intercalando o céu brilhante com com imagens bíblicas, e a experiência das personagens sob os efeitos de drogas. É uma loucura, é confuso e sem dúvida divertido.


“Easy Rider” é um pedaço importante na história do cinema. É também um filme de culto que nos leva a acreditar no mundo como uma estrada aberta a todas as possibilidades, desde que acreditemos nelas e que o nosso “coração” esteja no sítio certo. É, ultimamente, um aviso dos efeitos do preconceito e do medo ao desconhecido que ultimamente podem levar à morte simbólica (como visto no filme) da contracultura e com ela da liberdade também.


Manuel Fernandes

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