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Era Uma Vez Um Rapaz: Era Uma Vez A Mudança



Há um ponto de viragem na vida de todos as pessoas. Obviamente, não somente um momento em toda a vida de uma pessoa será aquele que irá para sempre mudá-la ou fazê-la ver o mundo com outros olhos. No entanto, em termos de narrativas fantasiosas que criamos na nossa mente, um momento único poderá ter impacto em toda a nossa vida.


Conhecemos Will Freeman, o protótipo do homem egocêntrico, emocionalmente isolado dos outros, mantendo uma parede de sarcasmo a proteger a sua “ilha” (como ele gosta de dizer), com um distinto sotaque britânico e um toque final de imaturidade. Hugh Grant assenta nesta personagem como uma luva, é perfeito para o papel. Apesar de muitas vezes fazer papéis bastante semelhantes, há algo nesta personagem (que à primeira vista poderá parecer idêntica a Charles de “Quatro Casamentos E Um Funeral”) que a faz destacar das outras. Talvez o seu carisma e respostas rápidas e subtilmente afiadas são o que o tornam tão memorável.


E a vida de Will seria perfeita aos seus olhos se assim se mantivesse. Continuaria na sua cruzada individualista, sem qualquer conflito e aproveitando os prazeres da vida. Infelizmente, aí entra uma família disfuncional que vai quebrar com a paz que ele fora criando para si durante todos estes anos. Marcus não é uma criança propriamente feliz. Gozado na escola, e sofrendo frequentemente com os episódios depressivos da sua mãe, Fiona Brewer, ele encontra-se numa fase mais sorumbática da sua vida. É através de caricatos e invulgares episódios que Marcus e Will se acabam por conhecer, desde as mentiras mirabolantes de Will (que inventa a existência de um filho para se poder aproximar de outras mulheres), passando pelo o homicídio inesperado de um pato com um pedaço de pão (que mais parecia uma pedra) e chegando à tentativa de suicídio de Fiona, entre outros eventos. Ambas as personagens andavam à procura uma da outra, apesar de Will não o saber e ativamente procurar manter a distância para continuar isolado na sua pequena ilha, e de Marcus estar constantemente a tentar forçar uma relação de amizade entre eles, na tentativa de arranjar um namorado para a sua mãe e, consequentemente, obter um pai. Daí que os pensamentos que ouvimos ao longo do filme sejam exclusivamente os de Will e de Marcus. Entramos na mente de ambos e vamos percebendo a transição emocional que vão passando.


O filme decorre durante uma época bastante específica. Começa no inverno, e a partir daí chegamos ao Natal. E depois do Natal, transitamos para o Ano Novo. Quando me referia a momentos específicos, falava da cena de Ano Novo em que Will se apercebe de que quer mudar a sua vida. Até então, fomos assistindo a uma mudança lenta e bastante cómica destas duas personagens. O ritmo das suas vidas foi-se modificando para algo que se assemelha a uma família. Will vai largando a sua imagem de playboy e Marcus encontra nele um amigo, e ocasionalmente uma figura paternal. E com estas alterações, Will está irreconhecível. Daí que numa festa de Ano Novo, quando conhece Rachel, dotada de uma grande beleza e sensibilidade, Will percebe que talvez não gosta muito dele próprio, que não será alguém interessante e que tudo que vimos até lá seria uma simples fachada. Ele deseja algo mais substancial para si e que possa oferecer aos outros. O Ano Novo não é só para desejos sem intenção de os cumprir. Também é preciso ação.


“Era Uma Vez Um Rapaz” está cheio de momentos icónicos, desde o encontro dramático entre um pato e um pedaço de pão, à invenção de pessoas (como o bastante desaparecido Ned) por parte de Will, para facilitar os seus encontros românticos, até a um espetáculo em que a música “Killing Me Softly with His Song” ganha todo outro significado. Nas palavras de Will: “Ali estava eu, a matá-los lentamente com a minha canção”. Tenham um bom 2021 e não se esqueçam que “Nenhum homem é uma ilha”.

Manuel Fernandes

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