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Este País Não É Para Velhos: Será Para Alguém?



Muitas vezes classificado como o Magnum opus dos irmãos Coen (mas “A Propósito de Llewyn Davis”, “Fargo” e “O Grande Lebowski” são outros filmes que para mim facilmente também poderiam ocupar essa distinção, há que discutir o assunto), “Este País Não É Para Velhos” é um neo-western com raízes profundamente filosóficas, delegando às várias personagens características estoicas, niilistas, existencialistas, entre outras correntes de pensamento para criar um trabalho único e que definitivamente sentimos que veio da mente destes dois irmãos. À primeira vista, o filme parece que vai ser do estilo de uma perseguição entre gatos e ratos, em que uma personagem persegue outra que faz todos os esforços para conseguir fugir. E é verdade que o é, no entanto, não se cinge a essa ideia. Claro que alguma das mais impressionantes e tensas sequências são provocadas por encontros terríveis e mortíferos em que o “herói” encontra o “vilão” e não tem outra hipótese senão fugir daquilo que será um fim certo. Porém, os eventos do filme merecem algo mais que uma visualização passiva, pois escondem interpretações complicadas sobre a forma de como olhamos para o mundo à nossa volta.


“Qual foi o máximo que perdeu a jogar à moeda?” é o que Anton Chigurh, o assassino psicopata, pergunta a um homem que trabalha numa isolada estação de serviço. É nesta interação que percebemos como funciona este estranho e fantasmagórico homem. Ele age como se fosse uma força divina que aplica nos outros o destino que lhes foi traçado. É como se a simples existência deste homem, que nunca realmente viveu (aos olhos de Chigur), tivesse chegado a um ponto decisivo por ter questionado e evadido as questões de Anton. Ele tem também uma atitude muito maniqueísta para com o mundo. Ele define as coisas e este homem ao refutar as ideias objetivas e finais que Anton atribui à vida, está a pedir que a sua existência seja testada. Todos os momentos passados fizeram-no chegar àquele ponto em que se encontraria com Anton Chigurh, e esses momentos determinaram que o Destino questionasse o valor do seu próprio ente. A perspetiva de Anton é que todas as pessoas caminharam na terra durante anos até chegarem ao ponto exato no tempo e no espaço que as fariam ter um encontro derradeiro com ele, e apenas se jogassem bem as suas cartas, é que as suas vidas poderiam ter alguma chance de continuar a estar neste mundo, uma perspetiva determinista pois ele não se vê como aquele que escolhe o que será feito dos outros. Ele apenas é um instrumento de algo maior que já foi determinada previamente. O jogo corre bem e o diálogo termina com “Ou ela mistura-se com todas as outras e acaba por se tornar apenas numa moeda. Que é o que é.”, algo que evidencia que ele não é desprovido de qualquer capacidade de atribuir valor às coisas no mundo. Ele diz que esta moeda é especial, é o símbolo de uma vida que merece continuar a existir. No entanto, também é só uma moeda, algo que pode parecer muito dualista, mas é inteligente. Aceita-se as coisas como são e a partir disso pode-se avançar para outros misticismos.


Sem dúvida que Chigurh é a personagem mais interessante e que mais merece ser analisada no filme. E não é como se realmente o pudéssemos chamar de vilão neste filme. Ele é obviamente um assassino que não demonstra valor pela vida humana se esta não se procurar manter dentro dos seus limites, ou aquilo que define como limites. Se as pessoas o atrapalharem é porque foi decidido que não deveriam continuar a viver. Mas constantemente vemos a noção de moral a ser distorcida ao longo do filme. Como poderemos dizer que Anton é o vilão e Llewelyn é o herói quando vemos ambos a desrespeitar a vida humana em seu próprio proveito? Llewelyn também não é um homem de simplicidade extrema. Apesar de se mostrar calmo, tranquilo e procurar dar uma vida melhor aos seus, ele é calculista e faz tudo que está a seu alcance para garantir que fica com o dinheiro que roubou no início do filme. Reforço também que esta distorção da moral é comum no neo-western, que cria ambientes de violência extrema onde a política de matar ou ser morto domina e por isso, os valores básicos da sociedade humana parecem não importar. Como podem importar se a única coisa que nos permite sobreviver é uma luta constante com os outros e ultimamente com a nossa própria moral?


E ainda temos Ed Tom Bell, o xerife que investiga a situação que causou todos os acontecimentos do filme. Ele é já um homem de alguma idade e com bastante experiência no seu trabalho, percebendo como as pessoas são e não se mete com tretas, é direto e vai ao fundo das coisas. Tem um sentido enorme de justiça e quer fazer a coisa correta, ou pelo menos aquilo que é moralmente correto. É quase como o oposto de Anton Chigurh. Face ao homem que desafiou o Destino, temos um agente do Mal que provoca a destruição por tudo onde passa, um tornado. Também temos um agente do Bem que tenta balançar as coisas, elevando a Lei dos Homens sobre a Lei do Nada. Ambos procuram Llewelyn por razões totalmente diferentes, e o primeiro que chegar irá fazer prevalecer no mundo aquilo que é o melhor, segundo o vencedor. Apesar disso, Bell sabe que há coisas no mundo que simplesmente não se podem perceber nem controlar. Ao ler um jornal, ele repara em histórias macabras que parecem inventadas, no entanto, aqui estão elas. Ele tenta fazer o que pode na sua profissão como xerife e aceita aquilo que não consegue. Chigurh faz o que lhe apetece por sentir que é dele esse direito, ou melhor dito, porque a ele foi imposta essa função.


E, no entanto, ao estilo clássico dos irmãos Coen, as nossas expectativas são subvertidas e tudo aquilo que se foi construindo é arrasado para dar origem a uma certa elação (a que eu retirei deste filme): nós não controlamos o Caos instaurado no mundo. Todas as personagens chegam a um final inesperado e desapontante. Llewelyn que estava destinado a ter o seu encontro para um duelo final com Anton Chigurh é assassinado por um grupo de mexicanos, tudo porque se distraiu e desviou-se do seu “plano” em troca de alguma “diversão”. Anton Chigurh tinha feito tudo aquilo que era suposto (que ele achava ser suposto). Ele desempenhou a sua função de forma correta, e ele próprio esteve no sítio errado à hora errada, sofrendo um acidente que foi sem dúvida dos eventos que mais me surpreendeu ao ver um filme. Nem ele está acima dos outros. Quanto a Tom Bell, ele quase que teve um encontro desagradável com Anton Chigurh, acabando por sair antes de explorar mais do que aquilo que devia. Não conseguiu apanhar o responsável pelos crimes e simplesmente teve de aceitar esse facto. Acabou por se reformar e afastar-se do mundo, vivendo a sua vida a questionar o que fará a cada dia. Uma vida totalmente diferente da anterior. Tudo porque este país não é para velhos. Eles são rejeitados pelos outros enquanto os outros elementos são controlados pelo Destino. É este o mundo sombrio e desolado dos irmãos Coen.


Manuel Fernandes

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