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Fargo: Sou eu o Vilão?



Viajemos para terras frias. O branco da neve inunda o ecrã e apesar do bafo gélido que nos cumprimenta, “Fargo” é famoso devido às suas personagens extremamente coloridas e um guião fora do comum. Não é por coincidência que os créditos iniciais aparecem sob um fundo branco, que não é nenhum fundo, mas simplesmente uma imagem da extensão da neve pelos terrenos. E logo a seguir, os diálogos hilariantes cheios e rápidos para pintar este quadro monótono. É o ambiente perfeito para o tipo de história que os irmãos Coen queriam contar. Uma história cheia de “Yáááh” e muito humor negro, que se contrapõe com a monotonia e aborrecimento de uma cidade coberta por frio e monocromia.


Contrariamente a outros filmes de crime, as personagens de “Fargo” não são “fixes” ou têm as características que realizadores como Tarantino, Fincher, Michael Mann ou Francis Ford Coppola costumam dar aos seus protagonistas. Talvez, aqueles que mais se distanciam do comum mortal são Carl Showalter e Gaear Grimsrud, o duo contratado por Jerry Lundegaard para pôr a máquina dos irmãos Coen em movimento. Um pela sua incompetência e outro pela sua frieza desumana, são um dueto que fica para a história criminal do cinema.


O enredo é imediatamente interessante, Jerry Lundegaard necessita de arranjar uma pipa de dinheiro para fazer uma aposta lucrativa. O seu sogro seria essa fonte económica, e por isso, ele viaja para Fargo e contrata Carl Showalter e Gaear Grimsrud a fim de raptarem a sua mulher e obrigarem o seu sogro a pagar o resgate. Entretanto, a polícia Marge Gunderson está a investigar o caso, um crime que acabou por levar a um triplo homicídio, enquanto ela e o seu marido lidam com a sua gravidez. Parece o enredo típico de um thriller de ação, mas os Coen não são o tipo de realizadores que incorrem em cinema convencional. O rapto é trapalhão e cheio de comédia. Grimsrud é mordido por Jean Lundegaard e fica mais preocupado em arranjar unguento para a sua ferida do que em terminar o rapto. Pode parecer algo simplesmente divertido, mas trata-se também de perceber o tipo de pessoa que é este homem. Frio e completamente dissociado das normais emoções humanas. Isto é importante, pois, tal como outros filmes dos irmãos Coen, o estudo da moralidade está no cerne desta obra.


E para isso temos essencialmente a personagem de Jerry Lundegaard. Gaer e Carl estão essencialmente no lado do mal. Carl aproxima-se mais para o espetro do bem, pois muitas das suas ações se devem ao seu neuroticismo e não a uma ativa vontade em cometer atos de vilania, o que já não pode ser dito de Gaear que não parece ter alguma ponta de bondade dentro de si. Aquela máquina de estilhaçar madeira que o diga. Marge Gunderson puxa-nos para o lado do bem. Ela é educada, tem uma excelente relação com o seu marido e uma grande dedicação ao cumprimento da lei e em ajudar os outros. Não há dúvidas que ela é a mais humana de todas as personagens principais. Jerry é o joker nisto tudo. É um homem simples, que nos relembra Sam Lowry, a personagem de Jonathan Pryce em “Brazil: O Outro Lado do Sonho”, um homem comum destruído pelo mundo burocrático e desprovido de sonhos em que vive. Ele não queria que nada destes eventos ocorressem, mas o seu desejo fê-lo tomar estas atitudes. Não é como se víssemos nele um criminoso violento ou repleto de “psicopatias”. Ele na verdade não sabe muito bem o que está a fazer. A sua ingenuidade não o levou a acreditar nas consequências que as suas ações poderiam ter. Será ele realmente alguém mau? Podemos ser responsáveis quando as coisas não aconteceram da maneira que queríamos que acontecessem? Faz-nos pensar daquelas vezes em que talvez teremos feito coisas erradas quando achamos que faríamos algo bom. O que é que torna alguém mau então? Ou será que em todos nós existe um traço de crueldade que nós não esperamos que lá esteja? Muitas perguntas para responder, mas primeiro, há que rir com “Fargo”.

Manuel Fernandes

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