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Felizes Juntos: Destroçados Juntos



Buenos Aires, Argentina é uma daquelas cidades que transpira paixão e que aparenta ser o local perfeito para se perder com um amante. Wong Kar-Wai diz que não a tudo que acabei de escrever. No seu filme premiado com o prémio de melhor realizador no Festival de Cannes, o cineasta de Hong Kong explora o lado negro do amor através de um anti-romance que fará imensa gente relembrar-se das piores partes daqueles que pareciam ser dos mais felizes relacionamentos.


Ho Po-Wing e Lai Yiu-Fai, originalmente de Hong Kong, viajam para Buenos Aires. O seu romance recomeçava, acabava e voltava a recomeçar, um ciclo que tinha Ho Po-Wing como culpado. Sempre que ele dizia que a relação deveria recomeçar, quase como quem quer apagar todas terríveis palavras ditas no calor da emoção Fai aceitava sem pensar duas vezes, pois para ele, os dois homens seriam “Felizes Juntos”, por mais que a câmara nos mostre o contrário. Lai Yiu-Fai é a personagem central desta história, pois é nele que acabamos por nos rever e assim, podemos dizer que a sua relação com Po-Wing é como uma rosa cheia de espinhos. Fai sente-se feliz com ele, e acaba por ignorar as piores partes dos momentos que passam juntos. Po-Wing trata-o mal, está sempre à espera de que Fai esteja disposto a aceitar os seus avanços sexuais, independentemente da sua vontade, e nunca vemos as trocas de carícias ou conversas longas que tão comummente aparecem nos mais convencionais filmes românticos.


Num momento chave, após uma daquelas vezes em que Fai e Po-Wing acabaram, Fai passara a trabalhar como porteiro num bar de tango, e numa das noites em que espera que a multidão entre para assistir ao duo de dançarinos que faz a sua magia ao som de “Tango Apasionado”, Po-Wing sai de um carro, com vários homens e nem sequer repara em Fai. Ou assim pensamos, porque a presença foi notada por ambos os homens e mal estão fora do encalço de um do outro, as faces destroçadas são a prova de que as mágoas continuam espetadas num local onde para já mora um vazio que demorará a reconstruir-se.


É difícil relembrar relações passadas e perceber por que razão terminaram. Apenas nos lembramos dos bons momentos, de quando se planeava visitar as Cataratas do Iguaçu, e não da vez em que durante essa viagem que não acabou por acontecer, o carro deixou de pegar e se perderam, levando a uma discussão acesa que apenas espetou foi mais uma gota num oceano de infelicidades que ditaram o fim de algo belo que escondia uma grande fealdade. É o tipo de situação que nos impede de reparar em coisas boas que poderiam desabrochar se assim as deixássemos. Que não permite a Fai perceber que Chang poderia ser alguém novo a deixar entrar na sua vida, e não alguém a quem simplesmente deixar uma cassete cujas palavras nunca existiram, apenas se ouve o choro de alguém que já não aguenta mais a solidão, esse sentimento horrível que destrói a nossa capacidade de ser racional e de realmente explorar quem realmente somos e outros que também poderiam facilmente escrever um capítulo na nossa história, ou, quem sabe, ocupar a totalidade do livro.


E entre as cores vibrantes, manchadas de tons de vermelho, músicas pop, tango, visões de Hong Kong, constrói-se um retrato da tristeza que é estar preso a alguém que não nos dá o valor devido, mas que sem elas não nos sentimos bem. É estar recluso do amor e ter nessa palavra uma definição totalmente díspar do que seria de esperar. É dançar apaixonadamente e meses depois viajar para o fim do mundo sozinho, sentir que falta ali alguém e que ainda assim é uma melhor situação que o abraço apaixonado do passado. Por vezes é melhor estar assim que destroçados juntos.


Manuel Fernandes

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