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Fight Club: O Meu Filme Favorito


Na sondagem da semana passada em relação a filmes de David Fincher, o escolhido pelos seguidores do Instagram foi “Fight Club” de 1999. Por acaso acertaram na muche, pois trata-se do meu filme favorito. Claro que os outros filmes presentes na sondagem são grandes obras do realizador, alguns deles marcaram presença nas categorias dos óscares, e teria todo o gosto em analisar qualquer um deles, mas este para mim tem um toque especial. Desde já quero explicar a diferença que para mim existe entre o meu filme favorito, e um filme que considero dentro da elite dos melhores bem feitos. Neste seguimento, não considero que “Fight Club” seja o melhor filme da história, mas é o filme que mais me marcou e que não me canso de rever. Por exemplo, sem sombra de dúvidas que “The Godfather” é superior ao filme em análise no que toca a vários aspetos como: cinematografia, guarda-roupa e prestações dos atores. Ainda assim, “Fight Club” prende-me mais ao ecrã, mas seria um exagero considerá-lo o melhor do cinema. A maior parte dos cinéfilos têm por hábito avaliar os filmes, e quando eu o faço tento ser o mais imparcial possível, e não é justificação válida avaliar um filme com uma nota injusta só porque não é o meu género predileto. É crucial balançar o nosso gosto com as caraterísticas do filme, mas por acaso “Fight Club” recebe avaliações muito altas. Portanto, quase qualquer filme é plausível de ser o nosso favorito, mas nem todos podem marcar lugar na categoria dos melhores filmes de sempre. Agora chega a altura de me dedicar ao filme, e como se trata de uma história que possui um plot twist, peço às pessoas que ainda não o viram que parem por aqui, para não vos estragar a surpresa.

“Fight Club” apesar dos fracos resultados nas bilheteiras, acabou por atingir o patamar de filme de culto, sendo aclamado pelo público e pelos críticos, talvez porque provoca os espectadores ao conduzir a reflexões profundas acerca da sociedade. Mas antes disso, qual é a história? O nosso protagonista (Edward Norton) é um homem solitário que trabalha numa empresa de seguros. A sua saúde mental começa a ficar débil devido à falta de descanso, e recorre ao médico após seis meses de insónias. Durante esse período, passa o seu tempo livre a comprar peças de decoração para a sua casa, numa tentativa de preencher o vazio que possui. Na consulta, o médico recusa-se a prescrever medicamentos para dormir, e sugere-lhe que devia aparecer em reuniões de apoio a pessoas com doenças, de maneira a que ele perceba o verdadeiro sofrimento. Desesperado, faz-se passar por um doente para assistir à reunião, e perante a dor real dos presentes, consegue chorar e desabafar e finalmente consegue dormir. Num ápice fica viciado nessas reuniões, e marca presença em muitas a partir daí. Mas tudo muda quando percebe a presença de uma impostora que o começa a perturbar, Marla Singer (Helena Bonham Carter), uma mulher repleta de mistério que aparece em todas as reuniões no fundo da sala a fumar. O nosso protagonista (que também é o narrador da história) confronta-a e ambos admitem a farsa, e decidem dividir as reuniões. Marla foi um catalisador negativo para o protagonista, que surgiu do nada, mas que aparentemente se resolveu. Posteriormente, num regresso de avião após uma reunião de negócios, conhece Tyler Durden (Brad Pitt), um fabricante de sabonetes que possui uma filosofia de vida singular, que o impressiona e intriga. Quando chega a casa, descobre que houve uma explosão no seu apartamento que o fez perder tudo. Sem ninguém próximo a quem pedir ajuda, liga a Tyler, e encontram-se num bar onde conversam sobre os seus estilos de vida, o capitalismo e o consumismo. No final, Tyler sugere o seguinte: “Bata-me com o máximo de força que conseguires”. O narrador fica confuso, mas aceita o desafio, e ambos acabam a lutar. Depois da euforia, Tyler convida-o para viver na sua casa, e as suas lutas são cada vez mais frequentes, e começam a atrair outros homens, e assim nasce o Clube de Luta. Esta atração digamos assim, possui várias regras, em que as duas primeiras são exatamente iguais: “You do not talk about Fight Club”.

Após uns tempos, Marla liga ao narrador depois de uma tentativa falhada de suicídio, mas este ignora o pedido de socorro, e no dia seguinte descobre que Marla passou a noite em sua casa, pois foi Tyler a encontrar-se com ela, e ambos se envolveram sexualmente. O Clube de Luta, liderado por Tyler, rapidamente ganha mais projeção noutras cidades. E na sua porta começam a aparecer outros recrutas dispostos a obedecer cegamente às suas ordens. O Clube ganha outra dimensão e evolui para o Projeto Caos, que se baseia na execução de atos de vandalismo e violência pela cidade, mas sem colocar fim às vidas das pessoas. Depois, Tyler desaparece do mapa, e para quebrar o ciclo de destruição imposto pelos “soldados” de Tyler, o narrador começa a persegui-lo pelo país, com a estranha sensação que conhece todos os lugares por onde passa. Após várias pistas, principalmente através de uma conversa com Marla, o narrador percebe que ele próprio e Tyler são a mesma pessoa. Duas personalidades distintas dentro do mesmo corpo. No fundo, Tyler representa tudo aquilo que o nosso narrador gostava de ser, e que lhe preenche o vazio que tem de forma íntegra. Só o narrador vê Tyler, as restantes personagens apenas conseguem ver o corpo do narrador, que se comporta de maneira distintas. Claro que nós, o público, vemos os dois como pessoas diferentes, mesmo após o desvendar da verdade. Já reparam que invoco o protagonista sempre pelo termo narrador, mas acreditem que não o posso fazer de outra forma, pois em nenhum momento sabemos o verdadeiro nome, tanto que nos créditos o papel de Edward Norton aparece com o termo “narrador”. No final, não foi capaz de impedir a destruição de empresas de crédito onde estão todos os registos bancários, em que o propósito disso seria apagar todas as dívidas do povo. As duas personalidades lutam, Tyler é baleado, e Marla e o narrador assistem à destruição pela janela de mãos dadas como podem ver na imagem final.

Fight Club começa "no meio das coisas”.Tyler com uma arma na boca do narrador, minutos antes da explosão final. A narração inicia quase no final, que podemos supor que não será feliz. O filme vai nos mostrar quem são aqueles homens e os eventos que os conduziram até aquele ponto. Percebemos que estamos perante um narrador que está confuso, enlouquecido pela insônia e o cansaço. Aquilo que ele nos conta, o que vemos através dos seus olhos não é, necessariamente, a realidade. Essa desconfiança é confirmada quando descobrimos, já perto da conclusão da narrativa, que são personalidades dissociativas e que, afinal, aquele homem esteve sempre sozinho, lutando contra si mesmo. Quando obtemos essa informação, percebemos que existiam já indícios: quando se conhecem têm a mesma mala, no autocarro só pagam um bilhete, e o narrador nunca está ao mesmo tempo com Tyler e Marla.

Eles são, em tudo, opostos, o que fica claro, por exemplo, nas suas casas: o narrador vivia num apartamento de classe média, minuciosamente decorado, que foi destruído pela explosão e teve que se mudar para a casa ocupada por Tyler (velha, suja, vazia). Inicialmente chocado com a mudança, começa a adaptar-se e vai cortando com o mundo exterior, deixa de ver televisão, não é mais afetado pela propaganda. A convivência com Tyler muda visivelmente o narrador: começa a ir para o trabalho sujo de sangue, perde dentes, e o seu estado físico e mental vai se deteriorando. Ele enfraquece cada vez mais, enquanto sua outra personalidade se torna cada vez mais forte. A queimadura química que Durden faz na sua mão é um símbolo do seu poder, uma marca permanente da sua filosofia: não podemos ocupar nossa mente com distrações, é necessário sentirmos a dor e agirmos sobre ela. Como fica claro no diálogo entre as duas personalidades, Tyler é tudo o que o narrador queria ser: impulsivo, corajoso, disruptivo, disposto a destruir o sistema que o criou. Trata-se de uma materialização da sua revolta e do seu desespero perante a rotina e o estilo de vida que levava: foi criado para mudar tudo o que o narrador não conseguia sozinho.

Fight Club é uma reflexão crítica acerca da sociedade de consumo na qual vivemos e os efeitos que provoca nas pessoas. O filme apresenta-nos o modo como o protagonista consome produtos com o objetivo de preencher um vazio interior. O narrador passa quase todo o seu tempo a trabalhar para poder se sustentar e, quando está livre, não tendo ninguém com quem estar, ou outra atividade que o estimule, acaba por gastar o seu dinheiro em bens materiais. Sem nome, este homem é uma representação do cidadão comum, que vive para trabalhar e juntar dinheiro para depois gastar em coisas que não precisa, mas que a sociedade o pressiona a ter.


Por causa do mundo vicioso, os indivíduos são transformados em meros consumidores, espectadores, escravos de um sistema que define o valor de cada segundo que possuímos. Isso é algo que podemos notar no monólogo que o protagonista tem no aeroporto, quando pensa na seguinte frase: "Essa é a tua vida e ela está a terminar um minuto de cada vez". Quando todas as suas coisas ficam destruídas durante a explosão na sua casa, a sensação que o invade é a de liberdade. Nas palavras de Durden, "Só depois de perdermos tudo é que somos livres para fazermos o que quisermos". Depois de se desprender dos bens materiais que o controlavam, começa a elaborar o seu plano para destruir o sistema capitalista e libertar o povo das suas dívidas, acreditando que está a salvar todas as pessoas.

Uma característica transversal a todas as personagens é a solidão extrema. Condenados por estarem dentro do sistema (como o narrador) ou por estar fora (como Marla), todos levam uma existência isolada. Quando se encontram nos grupos de apoio, Marla e o protagonista procuravam o mesmo: contato humano, honestidade, a possibilidade de chorar no ombro de um desconhecido. O narrador está tão destruído pela sua solidão, a sua saúde mental está tão abalada, que acaba por criar uma outra personalidade, um amigo com que partilhar tudo, um parceiro de luta. Marla é tão desamparada que, quando se tenta suicidar e precisa de ajuda, liga para alguém que acabou de conhecer. É possível que essa insociabilidade, esse exílio existencial seja aquilo que atrai os homens do Clube da Luta e, ainda mais, os soldados do Projeto Caos, que passam a viver na mesma casa, a comer e dormir juntos, lutando pela mesmo propósito. É esse sentimento de pertença que parece atraí-los para Tyler, alguém que partilha a mesma revolta e promove o ódio pela sociedade capitalista que os excluiu.

Fight Club tornou-se um filme de culto até aos dias de hoje, despertando a atenção dos fãs, que criaram suas próprias teorias. Uma bastante curiosa é a de que Tyler Durden era real e tinha-se aproveitado de um homem solitário e com uma saúde mental frágil para manipulá-lo a liderar um grupo terrorista. Outra teoria muito popular é a de que Marla Singer era imaginária. Vários fãs do cinema acreditam que Marla também era fruto da imaginação do protagonista, materializando a sua culpa e o seu sofrimento. Caso esta teoria estiver correta, o protagonista teria vivido um triângulo amoroso consigo mesmo e seria provável que tudo o que vemos no filme acontecesse apenas na sua mente.


No fundo, é impossível ficar indiferente a Fight Club, seja pelas suas frases, pelo enredo em si, ou pelas cenas controversas que contém. A violência física é utilizada para este riquíssimo argumento, em dualidade com a violência psicológica. O filme é pensado no mainstream, mas nem por isso David Fincher desleixou o argumento, baseado no livro de Chuck Palhnuik. Uma crítica ao conformismo, consumismo e à rotina de quem quer ser completo. A violência representa também aqui, uma luta contra a perfeição. O filme cativa-nos pela sua complexidade, deixando-nos confusos e envolvidos até ao surpreendente final. O que é bom neste desfecho, é que quando vemos o filme pela segunda vez, encontramos pistas em pormenores, durante todo o enredo, que nos conduzem para a verdade da intriga. Um filme que tem tudo, e que coloca a nossa mente em camps desconhecidos do pensamento, ao ponto de perguntarmos onde é que a nossa mente está (referência à musica final, “Where is My Mind” dos Pixies).


Fica aqui um petisco final onde juntei as melhores frases do filme:

"This is your life and it’s ending one minute at a time” -Tyler Durden
“Advertising has us chasing cars and clothes, working jobs we hate so we can buy shit we don't need” -Tyler Durden
"Condom is the glass slipper of our generation” -Marla Singer
“First you have to give up, first you have to know not fear — Know that someday you’re gonna die” -Tyler Durden
"Stop trying to control everything and just let go! LET GO!” -Tyler Durden
“You Are Not Special. You Are Not A Beautiful Or Unique Snowflake. You Are The Same Decaying Organic Matter As Everything Else.”-Tyler Durden
“When You Have Insomnia, You’re Never Really Asleep...And You’re Never Really Awake.”- The Narrator
“I Am Jack’s Complete Lack Of Surprise.”- The Narrator


Diogo Ribeiro

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