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Fitzcarraldo: Para os Sonhadores



Os sonhos são para os sonhadores. Aqueles malucos que têm as ideias mais rebuscadas e disparatadas, e se afastam daquilo que é decente, ou o que os realistas sabem que levará a um percurso de dor e acabará numa depressão extrema, pois o falhanço é a queda previsível quando se voa tão alto em vez de se pôr os pés no chão, e perceber o que se pode fazer ou não fazer dentro dos limites da vida. Quase que dá vontade de não sonhar. Mas, felizmente, existem aqueles doidos que não ouvem os demais, que têm ideias insensatas (não falo de loucuras como pegar fogo a florestas) e lutam, pois, o desejo ultrapassa a força da razão. São as pessoas que decidiram que o Homem deveria voar quer no ar quer no espaço, que era possível saltar 8.95m em comprimento ou que cada pessoa poderia estar conectada com outra, independentemente da distância. Brian Sweeney Fitzgerald, conhecido em Inquitos como “Fitzcarraldo” (porque as pessoas não conseguiam pronunciar o seu nome) é um desses sonhadores.


Fitzcarraldo é um amante de ópera e ele tem o sonho de um dia trazer ópera a Inquitos, onde o seu ídolo operático, o tenor Enrico Caruso, será o primeiro a atuar. Nem todos os sonhos se concretizam, Fitzcarraldo já deixou para trás um grande projeto falhado, a Estação de Caminhos-de-Ferro Trans-Andean, que acabou por falir e nem sequer a sua construção foi terminada. Então o que motiva Fitzcarraldo a continuar? Às vezes, o sonho é uma doença que nos faz continuar, mesmo na face da adversidade. Mas para este sonho se tornar realidade, é preciso dinheiro para que as rodas da vontade girem. A única pessoa que acredita em Fitzcarraldo é a elegante Molly, dona de um bordel de classe, e é com a ajuda dela que Fitzcarraldo procura investidores para este projeto. Com a falta de investimento, Fitzcarraldo decide que sozinho irá arranjar o dinheiro ao entrar no negócio de exploração das árvores-da-borracha. É-lhe indicado que existe uma parcela de terra que ainda não foi explorada e que ele poderá tentar a sua sorte aí. Molly financia-lhe a viagem, e assim compra um barco-a-vapor com mais de 300 toneladas, juntamente com uma tripulação.



É aqui que começa a parte mais impressionante do filme e da História do Cinema em geral. “Fitzcarraldo” está recheado de imagens apaixonantes associadas a uma emoção arrebatadora que desarma qualquer ceticismo da parte da audiência. Os cenários que nos transportam para o início do século XX, os nativos que aparecem às centenas e criam uma composição visual verdadeiramente impressionante como nunca antes vista, a música operática que acompanha Firzcarraldo e parece que nos dá uma razão para nós mesmos nos sentirmos apaixonados por este sonho, ou até a intensidade que Klaus Kinski trouxe ao papel, elevando a imagem da alma torturada com uma pequena réstia de esperança em si a um outro patamar. E todos estes elementos permitem que “Fitzcarraldo” não seja um grande filme, mas sim uma obra-prima (aquela palavra danada que muitas vezes é usada para tudo que é bom ou mau). E ainda assim, “Fitzcarraldo” é um trabalho que ganha ainda outra camada e se torna em algo verdadeiramente especial com aquilo que será a cereja no topo de um bolo delicioso. Numa sequência, Fitzcarraldo percebe que a melhor forma de atingir o seu objetivo implica fazer com que este barco gigantesco e pesadíssimo suba por cima de uma montanha. Parece uma quimera, algo absolutamente irreal. Mas a verdade é que existem homens que sonham coisas que mais se assemelham a alucinações do que à realidade e lutam por isso. Por isso, se se quer que o barco suba, então o barco vai subir. E é algo glorioso. Ver tanta gente a esforçar-se por fazer um barco subir uma montanha, um barco que não é nada pequeno, diga-se de passagem, faz-nos realmente acreditar que tudo é possível até.


E nem todos os sonhos precisam de ser testemunhados, se nós soubermos o que aconteceu, o maior valor estará nisso. A pessoa que mais dificuldade temos em impressionar não são os nossos ídolos, pais, amigos ou colegas. Somos nós próprios. Talvez haja alguma (grande) tristeza em não sentir o reconhecimento de ver que os demais ficaram impressionados com os nossos feitos. Mas é extraordinário quando provamos a nós mesmos que conseguimos algo jamais feito. Mesmo falhando no objetivo principal (para Fitzcarraldo, a construção da ópera), nós sabemos o que fizemos. E se há homens que fazem barcos subir montanhas de inclinações assustadoras, o que é que não podemos fazer?


Manuel Fernandes

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