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Grand Budapest Hotel: Receita para um Futuro Clássico



Histórias, histórias e mais histórias são o foco do criticamente aclamado trabalho de Wes Anderson. Uma rapariga visita o túmulo de um escritor a fim de ler o seu livro (convenientemente para nós que preferimos que as coisas sejam contadas com alguma mestria por alguém que tenha o dom da escrita). O escritor, como narrador do seu prefácio, traz-nos uma história que lhe foi contada por outro escritor que conta a história de um antigo paquete de um hotel tornado milionário e do seu mentor, o concierge desse mesmo hotel. Estas histórias são contadas da forma mais ridícula possível. São histórias e assim o podem ser. Wes Anderson usa o ridículo, espalhafatoso e inacreditável para transformar pessoas e locais reais em pinturas a óleo, desenhos animados e tudo aquilo que de louco que possamos imaginar, prontos para adornar um colorido livro. Não fosse o filme dividido em partes tais como capítulos, cada um a esconder uma divertida aventura.


A história que mais nos interessa é a que se passa em 1932. Provavelmente a menos real das três por ter passado por tantas bocas e a loucura com que nos é apresentada será prova disso mesmo. Não quer dizer isso que seja a menos verdadeira, pois a verdade pode ser adornada se o acharmos conveniente. A proporção da tela nesta fase é de 4:3, transporta-nos para um período em que os filmes eram assim apresentados. Só faltaria o preto e branco, mas uma das maiores belezas do filme ir-se-ia perder se não pudéssemos enfrentar os tons de rosa que contracenam maioritariamente com o roxo usado pelas personagens principais. E mesmo com estas táticas de evocação do passado, sentimos que se passa tudo nos dias-de-hoje. Mesmo com as roupas, locais e materiais que certamente nos dizem que os evento se passam há imensos anos atrás, há sempre uma sensação de originalidade em tudo o que vemos, fazendo-nos esquecer que estamos presentemente no século XXI e que nos transporta para a década de 30 do século XX. Esse período passa a ser o nosso presente. E vivendo nesta altura, acompanhamos Zero Moustafa, um jovem paquete que segue uma das mais interessantes personagens criadas por Wes Anderson, Monsieur Gustave, um concierge apaixonado pela etiqueta, poesia, belos perfumes (mais concretamente, o L’air de panache que tem um nome bastante sugestivo) e por entreter as idosas convidadas do Grand Budapest Hotel. Apesar de tudo, existem breves indícios de que este homem terá bastante tristeza escondida por trás de tanto engenho na conversa, a chamada lábia, mas com um toque de fineza, porém nunca nos é explicitada a veracidade desta noção. Assim é para a maioria das pessoas que iremos conhecer. Como disse, mesmo não sendo a mais real, pode ser a mais verdadeira história. Ralph Fiennes faz um papel brilhante ao trazer à vida esta personagem bastante diferente daquilo que ele já fez no passado. Falamos de alguém imensamente dotado para papéis dramáticos que mostra ter um jeito inexplicável para a comédia. E por falar em comédia, quão mais engraçado poderia ser ver este filme? Todo o enredo é atravessado por rasgos cómicos que ultrapassam a nossa capacidade de previsão, “Vês? Ainda existem resquícios de civilização neste bárbaro matadouro em tempos conhecido como “humanidade”. Na verdade, é esse o nosso modesto, humilde e insignificante contributo… Que se foda.” eleva as expectativas de um belo discurso para acabar com vulgaridade. Todo o filme está repleto de piadas com linguagem vulgar que, por serem ditas de forma tão interessante e criativa, nunca parecem sequer tocar no obsceno. E nem é preciso falar do resto do elenco que conta com nomes tão sonantes como Bill Murray, colaborador frequente de Wes Anderson, Jason Schwartzman, Tilda Swinton, que está irreconhecível, Saoirse Ronan, num dos mais adoráveis papéis que já fez, Willem Dafoe, temível como Jopling, entre muitos outros que mereceriam pelo menos uma centena de palavras para descrever de forma algo fugaz o quão brilhante cada uma destas pequenas atuações foram e como contribuíram para este livro em movimento que foi criado para o nosso bel-prazer.

Como falamos de Wes Anderson, não poderia faltar a menção à simetria. Nada parece fora do sítio e tudo parece repleto de pormenores que permitem dissecar cada cena durante horas, estando a maioria das personagens centradas e o resto da composição da imagem tão ordenadamente executada que nos recordam um espelho nas laterais. Isto pode tornar-se numa crítica que é banalmente feita a Wes Anderson, onde constantemente acusam de haver pouca substância comparativamente ao estilo, algo injusto na minha opinião pois se há algo neste meta-enredo é uma singularidade peculiar que é enfeitada por um estilo tão único que se torna impossível ver um filme deste realizador sem identificar nos primeiros cinco minutos de quem se trata. A influência da Nouvelle Vague também é notória, acabando Anderson por quebrar por vezes as suas próprias regras de simetria para dar mais liberdade à câmara, para termos belos e curtos momentos como a lindíssima visão de Agatha a andar de bicicleta. E não se pode esquecer dos formidáveis close-ups para termos um foco em objetos referidos pelas personagens que acrescentam muito charme à estética vívida e deslumbrante que, durante uma hora e trinta e nove minutos, fazem-nos crer que o mundo é mais brilhante do que aquilo que parece.


Quanto à história, nada poderia acrescentar pois é tudo muito direto no que toca à forma como é representada. O enredo gira à volta de um quadro valiosíssimo chamado “Rapaz com Maçã” que caiu nas mãos de Monsieur Gustave sob a forma de uma herança, tornando-o o principal suspeito de um aparente homicídio (curiosamente, vemos o quadro na receção do Grand Budapest Hotel, em 1968). Seria este a forma de apresentar um policial, mas muitas voltas levam a que se ultrapasse um género e se crie uma bizarra narrativa que inclui a fuga de uma prisão, um romance juvenil (em que entre perguntar “Queres casar comigo?” e responder “Sim” demora menos de um segundo), perseguições na neve, confrontos a tiro com a polícia… enfim, que bela loucura! E já agora, quase me esquecia da composição de Alexandre Desplat, naquela que foi a terceira colaboração com o realizador. Excelente na forma como capta os sons tradicionais da Europa Central para criar um trabalho fenomenal que merece ser ouvido, mesmo sem a visualização do filme. É um trabalho destinado a tornar-se num clássico, sem dúvida alguma!


Manuel Fernandes

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