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Her - Uma História de Amor: Como Ser Humano num Mundo Robótico



A ficção científica é e sempre foi o género cinematográfico que explora os limites mais profundos da imaginação humana, normalmente procurando olhar para aquilo que nos assusta, como referi na minha escrita sobre “Mad Max – As Motos da Morte”. Mas os medos humanos não se cingem simplesmente a doenças, apocalipses ambientais, e outros temas nocivos à sobrevivência, sendo que a própria condição de ser humano pode ser a fonte de maior pavor. Em “Her” que se traduziu de uma forma mais simplória para “Uma História de Amor”, Spike Jonze decidiu olhar para a forma nos relacionamos e como somos numa sociedade a evoluir a um ritmo estonteante a nível tecnológico. As primeiras coisas que saltam à vista são a arquitetura, com arestas limadas e formas espalhafatosas (peço desculpa a quem perceber da área pelos termos leigos que uso e que são pouco descritivos) que se assemelham perfeitamente àquilo que imaginaríamos que seria o futuro (tendo em conta o que já temos presente e que percebemos como o “mais tecnologicamente avançado”), ao contrário de outros alternativas mais assustadoras como a tendência cyberpunk em “Blade Runner” ou “Matrix” (filmes que merecem todo o gabarito que têm e que atrevo-me já a intitular de brilhantes) que funcionam como analogias e críticas sociais mas são criações muito diferentes daquilo que a curto prazo conseguimos ver como real, mantendo uma perspetiva positiva do mundo. Quanto às roupas, o que hoje consideramos mais alternativo ou hipster, parece ser a norma no futuro, da mesma forma que vemos os estilos de roupa dos anos 60 e 70 a fazer uma reentrada na moda. Outro aspeto a realçar são as cores geralmente frias ou neutras do mundo que rodeia a personagem principal, Theodore, que geralmente está vestido com cores que o fazem realçar do resto do mundo quando se encontra no exterior mas com cores mais semelhantes ao ambiente quando se encontra mais recluso. Isto diz-nos algo importante quanto ao futuro e também quanto a Theodore, primeiro, as pessoas tornaram-se mais para si mesmas do que para os outros, numa das primeiras cenas, vemos Theodore vestido de vermelho a vaguear pelas ruas, e quase toda a gente sozinha, a falar para um auricular ou a olhar para um smartphone. Ainda vemos relações humanos, ainda existem casais e pessoas na rua a socializar, mas o fenómeno é um que já vemos atualmente, o de procurar relações digitais e não físicas. Segundo, quanto a Theodore, esta simples diferença no vestuário é evidência da dicotomia entre a pessoa que ele mostra ser e a pessoa que ele realmente é, entre a pessoa que procura ser simpática e manter um ambiente agradável e a pessoa que se sente só mas que não procura ninguém por estar tão quebrado emocionalmente.


Falando de outros aspetos e sumarizando o enredo que a maioria dos leitores conhecerá (por ser um filme tão bem-sucedido a nível comercial), Theodore, que trabalha numa empresa que escreve cartas por outras pessoas (algo bastante engraçado que eu nunca me lembraria de sequer pensar mas se funcionar, quem sou eu para questionar) terminou, há um ano atrás, uma relação muito importante para ele e desde então que nunca mais foi o mesmo. Entretanto, instala um novo sistema operativo, chamado Samantha (com a voz de Scarlett Johansson), e, com a Inteligência Artificial tão evoluído no ponto temporal que estamos, se ninguém nos avisasse de nada, pensaríamos que estaríamos a falar com uma pessoa de carne e osso. Theodore vai-se aproximando emocionalmente de Samantha, e no processo a pessoa cabisbaixa com interesse por interações fugazes e falsas com mulheres que não conhecia, torna-se uma pessoa, começa a ter vontade de viver e viver aquilo que há de bom no mundo, de andar pela praia, notar nas coisas pequenas que ninguém nota, tocar ukelele e simplesmente aproveitar a música e acaba até por namorar com ela, algo que é completamente inconcebível. Eventualmente, todos os sistemas operativos tornam-se em entidades mais evoluídas, com capacidade intelectual e emocional diferente da dos seres humanos, incluindo uma revelação bastante cómica sobre poligamia amorosa e as pessoas vêm-se obrigadas a novamente relacionar-se umas com as outras. São ideias bizarras, mas tudo que vivemos com Theodore torna essa mesma premissa louca em algo autêntico. Catherine, com quem Theodore tinha uma relação, quando descobre deste namoro, afirma que ele não consegue lidar com emoções reais e por isso substitui pessoas por máquinas, mas o que são emoções reais? Será que o facto de Samantha não ser humana a torna menos real? Ela tem uma personalidade própria, pelo menos é isso que nos parece, talvez porque o próprio sistema operativo na sua configuração desenvolve uma personalidade que melhor se adequa à pessoa que irá “servir”, mas isso nunca é confirmado, e por isso podemos dizer que ela é tão real como um humano? E Theodore não é o único que se encontra nesta situação, milhões pelo mundo fora também começam relações com os seus sistemas operativos. Não porque procuram um sistema operativo para começar uma relação, mas porque as coisas aconteceram de uma forma natural, tal como um amigo que aos poucos se vai tornando em algo mais que isso. São questões muito interessantes que irão variar imenso de pessoa para pessoa, e para muitos pode não ser satisfatório, mas para isso é que o cinema existe, para nos colocar estas questões. E se olharmos para muitas interações que as redes sociais permitem, acabam por se equiparar à relação de Theodore, em que duas pessoas que nunca se viram, podem interagir uma com a outra, e até acabar por se apaixonar sem qualquer contacto físico, mantendo uma relação excelente sem esse mesmo contacto. E quem diz redes sociais, diz também qualquer modo de telecomunicações ou outros meios na internet.


Ficamos a pensar, o que é uma relação humana, o que qualifica algo como uma pessoa, o que são emoções, ou até qual o papel da tecnologia para além de um acrescento para conforto e facilitação das atividades humanas e como ela pode evoluir. É um trabalho inteligente sobre a solidão e sobre procurar amor num mundo que parece ser melhor para os outros do que para nós mesmos. De vez em quando, somos todos como o Theodore e mesmo com um coração partido podemos ser “vítimas” de alguém que sem tentar é aquele alguém especial que parece existir noutras dimensões, mas que na verdade está mesmo à nossa frente. Ou será que está? Se esse alguém estiver sempre por trás de um ecrã? Antes de terminar, queria só fazer uma pequena menção à banda sonora criada pelos Arcade Fire para o filme. Ouçam-na e também outras músicas que fazem parte da banda sonora, não se vão arrepender. Será um bom acompanhamento para quando estiverem a tentar perceber a resposta destas questões existenciais.


Manuel Fernandes

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