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Judas and the Black Messiah: Quando Fica Um "Vazio"


A 4 de Dezembro de 1969, ainda antes da alvorada, um grupo de agentes do FBI e do Departamento Policial de Chicago entraram na casa em que Fred Hampton estava a residir. Sob o pretexto de uma rusga, os agentes entraram a matar e assassinaram o ativista Afro-Americano cujas ideias radicais de libertação negra eram vistas como uma ameaça para as autoridades brancas. Apesar do carisma magnético das suas aparições públicas, da astúcia política da sua retórica e da presença poderosa da sua pessoa, Hampton tinha apenas 21 anos. A sua namorada, presente durante o homicídio sancionado pelo estado, estava grávida com o filho de Hampton e testemunhou a chacina desse líder dos Panteras Negras de Illinois.


Não obstante a injusta legalidade da ação policial, este homicídio foi um crime cometido sem piedade. Indesculpável e injustificável, trata-se de uma das maiores provas de quão enraizado o racismo está nas forças que se predispõem a proteger a sociedade, mas só concedem segurança a alguns cidadãos e aterrorizam os marginalizados. A cor da pele sendo o que define quem recebe ou não proteção. Enfim, a história de Fred Hampton merece ser contada em cinema e, idealmente, sem dar demasiado tempo de antena aos seus assassinos. Para quê fazer um filme sobre o ativista se vão conceder o mesmo relevo àqueles que traçaram seu triste fado?


Em “Judas and the Black Messiah”, os cineastas propõem contar a tragédia de Hampton da perspetiva do homem que o traiu. Ele foi Bill O’Neal, um criminoso ainda na adolescência, que foi manipulado pelo FBI. Sob a ameaça de tempo atrás das grades e com a tentação de um salário, O’Neal infiltrou os Panteras Negras de Illinois e travou amizade com Hampton, indo transmitindo informações preciosas aos agentes racistas que tinham o ativista na mira e o dedo no gatilho. Qual Judas, esse Jesus Afro-Americano, o traidor vendeu o libertador messiânico por trinta moedas de prata. Ao invés do crucifixo e da praça pública, a execução foi feita na calada da noite com balas no lugar dos pregos.


Existe potencial para essa abordagem funcionar, mas teria assim de haver um confronto honesto e direto com as convicções políticas de Hampton, a razão pela qual elas eram uma ameaça para o sistema racista da América dos anos 60. King e companhia gesticulam na direção dessas verdades desconfortáveis, mas o filme é demasiado mainstream, demasiado Hollywood, demasiado convencional, para retratar Hampton com devida complexidade de ideias. Apesar de ter quase tanto tempo em cena como O’Neal, o Fred Hampton de “Judas and the Black Messiah” parece sempre uma ideia abstrata, seus ideais uma nebulosa indefinição perdida por entre chavões declamados com a arte de um orador carismático. Ao invés de ser um filme político, esta obra é um documentário biográfico corriqueiro.


Perante tal dilema, tal fragilidade na premissa inicial do filme, temos de ser esperançosos que a execução desta ideia problemática seja imaculada. Pelo menos, ao nível de trabalho de ator, temos aqui papéis carnudos. Em certa medida, Lakeith Stanfield e Daniel Kaluuya, como O’Neal e Hampton respetivamente, fazem isso. Porém, seus esforços tendem a ser vítimas dos simplismos morais e psicológicos do guião. Stanfield apoia-se em demasia num nervosismo enraizado na alma, esquecendo-se de traçar o arco traiçoeiro da personagem. Ele faz da culpa algo palpável, mas não investiga as particularidades do sentimento, as vertentes históricas e sociais inerentes à personagem.


Kaluuya, por seu lado, faz um estupendo trabalho em termos de mimese oratória. Ele não se parece com Hampton e sua cadência vocal também está muito distante da desse ícone revolucionário. Não obstante essas limitações, o ator britânico é magistral na evocação da figura história, sua particular presença enquanto líder e ícone público. Infelizmente, tal como Stanfield, também ele é traído pelo guião e vê a personagem espalmada pelas observações sem sabor do texto. Ao invés de parecer uma pessoa, ele é uma ideia nebulosa, mais conceito que indivíduo. Na verdade, no elenco, é Dominique Fishback como Deborah, a namorada de Hampton, quem mais surpreende e deleita. Seu estoicismo na face do terror é estonteante, assim como o seu charme romântico, as reações silenciosas que, por instantes, nos relembram do peso que as palavras de Hampton realmente tinham para a comunidade que ele inspirava.


“Judas and the Black Messiah” tem muitas mais-valias além de Fishback e a história que conta é importante. Todos deviam conhecer o triste fado de Fred Hampton e chorar sua perda, a morte de um visionário cujo assassinato foi feito sob a alçada de justificações e leis desumanas. Também em termos formais o filme fascina e triunfa. A fotografia acobreada de Sean Bobbitt invoca uma ideia de passado histórico sem cair no pastiche ou no cliché da fotocópia estilística. Por seu lado, a banda-sonora composta por Mark Isham e Craig Harris também impressiona, suas sinfonias ominosas dando um rasgo de grandiosidade operática ao episódio histórico. Se criticamos “Judas and the Black Messiah” é porque lhe damos valor, porque queríamos mais. Eu pelo menos queria mais.

Diogo Ribeiro

1 Comment


yung dagger dick
yung dagger dick
Jun 15, 2023

parabens falou varias palavrinhas dificeis p mascarar essa opiniao ruim

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