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Lost in Translation: A Felicidade em ser Infeliz



Sofia Coppola, durante bastante tempo, foi conhecida apenas por ser a filha do grande Francis Ford Coppola e por atuar em “O Padrinho: Parte III”, mas cada vez mais a sua reputação como excelente realizadora está a sedimentar-se. Um percurso que se iniciou com “As Virgens Suicidas” em 1999, continuou com “Lost in Translation” (“O Amor é um Lugar Estranho” não se adequa tão bem ao filme) e prosseguiu com “Marie Antoinette”, os filmes que melhor definem o seu estilo solitário e cores vibrantes e vivas que escondem a tristeza que a elas normalmente não associamos. Recentemente, voltou a juntar-se a Bill Murray com “On the Rocks”, mas por agora, falemos da melhor colaboração entre realizador e ator.


O título original do filme é uma metáfora perfeita para o estado de alienação em que vivem as personagens principais, Bob Harris e Charlotte. Bob é uma antiga estrela de cinema cujos dias de estrelato já vão longe, e que viaja para o Japão para promover uma marca de whisky, mas que usa esta viagem para escapar à sua tensa situação familiar. Charlotte é uma jovem, recém-graduada em filosofia que acompanha o seu namorado, um fotógrafo, em viagem de trabalho, não havendo entre os dois o tipo de relação entre duas pessoas perfeitas uma para outra tal como as peças de um puzzle que em mais lado nenhum encaixam. O título é uma expressão em inglês que denota o facto de nem sempre as traduções transmitirem fielmente aquilo que uma pessoa quer transmitir. As duas personagens estão num país que nele são estrangeiros e no qual não compreendem as diferenças culturais que para os nativos são óbvias. Para além disso, mesmo com as pessoas com quem são próximas, nota-se que existe uma dificuldade extrema em realmente comunicar. Por vezes é complicado exprimirmo-nos corretamente aos outros, e para além disso, pode ser árduo para nós percebermos o que as pessoas nos estão a dizer. As palavras estão lá, conhecemos as suas definições e em que circunstâncias elas são usadas, mas desconhecemos muitas vezes o quão incerto o fator humano é quando adicionado à equação da comunicação.


Os nossos protagonistas, estão num estado melancólico e sentem-se perdidos. Não sabem o que fazer, o querem dos outros nem o que querem de si mesmos. Apenas vivem um transtorno emocional que se traduz numa forma isolada de caminhar pelo percurso que se chama viver. Não desejam estar assim, eles querem que aqueles que amam os consigam perceber e conectar-se com eles de uma forma emocional. Porém, isso não acontece. Charlotte chega a referir à sua mãe, através de uma conversa telefónica, que ao ver um templo budista que não sentiu nada e que isso a entristecia de uma forma que ela nunca teria imaginado, no entanto, a mãe não ouve o que a sua filha lhe diz, nem entende aquilo que ela estava verdadeiramente a transmitir. Na minha perspetiva, não se tratava de simplesmente ir a um templo e sentir felicidade ou algo de transcendente, Charlotte pretende dizer que ela se sente diferente dos outros e infeliz por isso e que acredita haver algo nela que simplesmente é errado.


Mas nem tudo em “Lost in Translation” é uma desolação da alma, pois também nos mostra que existem pessoas, nos recantos mais escondidos do mundo que realmente partilham os nossos pensamentos, com quem conseguimos brincar da forma mais natural possível, ou com quem podemos deitar-nos numa madrugada após uma sessão de “La Dolce Vita” e falar das mais pessoais questões da vida. Numa das cenas mais interessantes e surpreendentemente bonitas, Bob conta a Charlotte a sua perspetiva da vida como adulto. As coisas que não correm bem à medida que se vai envelhecendo nomeadamente em relação à vida de casado e a ser pai. Mas com estas também há que referir as partes mais belas de todas estas etapas da vida, e a forma como as vamos sobrevivendo para delas obtermos o máximo delas.


Para além de ser uma história sobre solidão, “Lost in Translation” pega na tradição das histórias de amor e mexe-as e remexe-as para criar algo diferente daquilo que estamos habituados, mas com grande impacto. A história entre Bob e Charlotte é tão romântica quanto a de “Romeu e Julieta”, mas sem nunca sair nos limites do platonismo, quer seja por esse nunca ter sido o intuito deles com a sua relação, ou por haver um receio em ultrapassar essa barreira, pois tal estado traz consequências que poderão ser irreparáveis. Os olhares românticos estão lá, as palavras proibidas escondidas por trás de substantivos como “adeus” ou frases como “Não vás, fica aqui comigo. Formamos uma banda de jazz.” dizem tudo que poderia ser definido pelas palavras “Eu amo-te”, palavras essas que nunca poderão dizer.

Manuel Fernandes

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