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Match Point: A Chance comanda a Vida



“O homem que disse “prefiro ter sorte a ser bom” tinha uma grande intuição. Temos relutância em admitir que boa parte da vida depende da sorte. É assustador pensar que tanta coisa escapa do nosso controlo!” são as palavras que abrem Match Point de Woody Allen. E a elas devemos prestar atenção pois nos primeiros segundos ouvimos tudo que precisamos de saber para entendermos tudo que se seguirá. Ópera, intrigas e traições são a refeição para esta noite, e as anteriores palavras irão ressoar constantemente neste prato. Woody Allen é reconhecido por trazer à tela uma persona neurótica e cómica, mas ele é também um argumentista genial com igual capacidade para o drama como para as loucas comédias que escreveu.


Match Point começa com a sugestão de que será um tradicional drama romântico em três actos com a introdução, desenvolvimento e conclusão. Para iniciar, Chris Wilton será o protagonista. Uma sequência quase como montagem de momentos de uma vida diz tudo aquilo que precisamos de saber. É dedicado, culto, atlético e tudo de bom que podemos achar de uma pessoa. Alusivamente à temática operática que se monta à volta (e à adoração de Chris pela arte), introduzimos os restantes membros do elenco. Chris conhece Tom Hewett que o introduz à sua família de classe alta, numa época em que tais distinções entre o povo e a nobreza pareciam ter-se extinguido. Conhece o seu pai, mãe, e a sua querida e bastante agradável irmã, Chloe. Estes começam a dar-se bem e quando começamos a pensar que será um romance apaixonado e “limpo” entre ambos. Nola Rice aparece com um vestido branco, talvez para provocar uma disrupção na ideia de pureza que a cor normalmente transmite. Ela é bela, tem charme e respira sensualidade. Os olhos dela são tudo aquilo que Chris deseja mal a vê e mostra-o de forma “agressiva”. Até à informação de que esta se trata da noiva do seu mais recente amigo. Apresenta-se o triângulo amoroso e começamos a entrar na psique de Chris. Ele vê em Chloe uma possível relação com capacidade de se tornar duradoura. Já em Nola, tem um desejo carnal e animalesco, algo primitivo que não deveria encaixar num homem inteligente e comedido como Chris. Ele percebe as limitações de ter algo com Nola, mas isso não impede o enredo de se desenvolver.


Já numa relação com Chloe, Chris começa a subir na vida, os pais dela dão-lhe a oportunidade de entrar no competitivo mundo empresarial e quem sabe subir para patamares mais altos. É também nesta fase em que começamos a perceber melhor quem é Chris e o que realmente o move na vida. Mostra-se algo manipulador, com o intuito de se encontrar com Nola, ainda que seja a namorada do irmão da sua namorada, fazendo-o de uma forma que não levante suspeitas. Chloe que apenas se sente feliz por estar ao lado deste homem espetacular, cujos sentimento correspondem aos dela, está completamente abstraída destes pequenos estratagemas e não se encontra sequer próxima de perceber o que vai verdadeiramente na mente dele.


Já num serão familiar, as frustrações de Nola e os ataques passivo-agressivos que Eleanor (mãe de Tom e Chloe) lhe faz, despoletam uma brusca saída por algures e nenhures motivada pela raiva. Chove torrencialmente e Chris segue-a, começando um tórrido romance entre os dois para desconhecimento das restantes personagens. Não fosse envolto em traição, seria uma cena lindíssima em que os nossos corações se encheriam de um desejo profundo de que tudo corresse bem entre eles. Mas não começa uma música gloriosa a acompanhar este ato. Simplesmente, ouve-se a chuva e trovões. Somos divididos entre a paixão e a moral, Chris não era o homem calmo que Woody Allen pareceu descrever. É um animal, mas tendo a oportunidade, não é também a maioria de nós?



Algum tempo depois, Chris já se encontra perfeitamente ambientado na família e casa-se com Chloe. A sua vida como casal está a desenvolver-se perfeitamente: compram uma casa luxuosa; pensam em ter filhos; a carreira dele está a evoluir favoravelmente. Até que recebe as bombásticas notícias de que Tom e Nola acabaram. Nós gritamos a Chris para que não faça nada de parvo. Efetivamente, ele tem uma boa vida e está prestes a desperdiçá-la por causa de um desejo carnal, mas felizmente, ele falha nas suas tentativas de encontrar Nola. Até que a bola de ténis e o discurso sobre sorte retornam. Fortuitamente e contra todas as hipóteses, encontra Nola e aquilo que parecia ser o final de uma impendente desgraça, renova-se e começa a ganhar proporções desastrosas. Chris inicia uma relação clandestina com Nola, quase como quem espera colmatar as falhas que encontra em Chloe, não passando apenas da satisfação dos seus desejos sexuais mais íntimos. E as coisas evoluem de forma conturbada, tentando manter um segredo desonesto, Chris distrai-se no emprego e anda em completo stress. Tem em cada polo da sua vida, duas mulheres completamente loucas por ela. E se a sua esposa espera que juntos possam ter um filho, a sorte não está do seu lado pois quem acaba por engravidar é Nola. Finalmente se sente entre a espada e a parede.


Paremos um bocado. O desenvolvimento da peça está a ser formidável. Os diálogos são realistas e familiares, os atores estão a ter prestações fantásticas (especialmente Jonathan Rhys Meyers e Scarlett Johansson que brilham em todos os momentos que aparecem) e as nossas emoções são mexidas e remexidas. Mas chegou o momento de trocar as cartas e dizer que não estamos perante um romance flamejante mas sim, simplesmente na mente de um homem que tudo fará para atingir o almejado sucesso. De repente, estamos quase perante um thriller de crime, mas Chris não é nenhum experiente criminoso e comete o impensável da forma mais desastrosa possível. Orquestra um assalto como forma de se livrar de Nola e mal dispara sobre a vizinha dela (esperando criar uma manobra de diversão que oculte o crime passional) a sua alma é destruída. Faz tudo sem sequer faltar ao compromisso com Chloe (um álibi perfeito), as suas capacidades manipulativas e natureza meticulosa demonstram-se bastante adequadas. Compromisso este que não seria nada mais nada menos que uma ópera, estamos no clímax.


A polícia faz o seu trabalho e a história inicial é a que melhor convém a Chris, um assalto na procura de dinheiro para arranjar droga. É o mais lógico, mas estará a sorte do lado de Chris? Quando confrontado com uma ida à polícia, decide livrar-se das jóias da pobre e idosa senhora que foi dano colateral deste caso. Só falta livrar-se de um anel, lança-o e da mesma forma que a nave espacial mimetiza o osso em “2001: Odisseia no Espaço”, este pequeno anel mimetiza a bola de ténis que vemos na primeira cena a chocar contra a rede. Este não cai no rio como as restantes jóias, mas fica disponível para ser apanhado por quem quer que seja. Será este o final de Chris?


Como uma ópera da época dos grandes clássicos como Mozart, o protagonista encontra-se obrigado a confrontar os seus fantasmas. Nola e a sua vizinha aparecem como fantasmas para que Chris revele tudo aquilo sente. A sua balança moral encontra-se destruída e estes fantasmas afirmam que ele pagará o preço. É isso que ele merece e ele próprio reconhece que não é merecedor de viver quando estas duas pessoas perderam tudo em prol deste homem que tanto gostámos e acabamos por ver fazer algo tão desprezível. O próprio investigador descobre como Chris o fez. Mas a sorte está do lado dele, e um toxicodependente, que morreu numa troca de tiros, tinha a aliança que Chris atirou sem sucesso para o rio. Parece que os fantasmas estavam errados e Chris não irá pagar por aquilo que fez. No entanto, as últimas imagens são desconcertantes, apenas vemos um corpo com um espírito que o abandonou já há algum tempo. Chris não é preso pelos seus crimes, e terá uma vida boa com Chloe e o seu recém-nascido filho, mas os olhos dele mostram que no final, acabou por morrer. Uma brilhante trama que nos engana e nos deixa a tremer por ser tão imprevisível, quando na verdade, pega nas histórias do passado e dá-lhes um ambiente mais moderno. Um terceiro ato assustador para deixar a audiência sem palavras na boca e assim se despede o mestre, com a noção que nem sempre se faz justiça e que muitas vezes, dependemos da chance, por mais que desprezemos tal ideia.



Manuel Fernandes

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