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"Misery": Fanatismo, Obsessão e Loucura



Nesta semana dedicada ao Halloween não podia faltar um filme baseado numa história de Stephen King, visto para muitos como o mestre do terror ou do suspense. O escritor já conta com imensos livros publicados de muito sucesso, que certos filmes conseguiram colocar em imagem de forma fiel aos princípios das obras. O próprio distingue as categorias de terror, horror e repulsa. No terror, existe alguma apreensão do desconhecido, onde o “monstro” não aparece e tudo fica por conta da nossa imaginação. No horror, o “monstro” manifesta-se e normalmente causa alguma reação negativa ao espectador, como medo e ansiedade, onde os “jump scares” marcam presença. Por último a repulsa, no qual o “monstro” também se manifesta, mas quem o vê vai sentir repúdio, aversão, estranheza, nojo e ódio. Em jeito de resumo, o terror envolve medo derivado da imaginação, o horror engloba medo derivado de um retrato gráfico, e na repulsa, por existir um retrato mais completo do vilão digamos assim, o nosso psicológico vai ser colocado em jogo, com o medo mais ausente face aos dois primeiros. E é neste último que Misery se insere, um terror psicológico que nos fará sentir repulsa face a Annie Wilkes, uma personagem interpretada por Kathy Bates, que ganhou o óscar de melhor atriz com este papel. Só por esta descrição motivos não faltam para ver este filme.

A história do filme é bastante simples, e com pouco mais de 90 minutos, é basicamente protagonizado por dois atores. James Cann junta-se a Annie Wilkes no papel de Paul Sheldon, um escritor de best sellers protagonizados por Misery Chastain. Depois de terminar uma nova obra decide conduzir num dia marcado por uma forte tempestade de neve, que culmina num acidente de carro. O escritor é salvo por Annie Wilkes, uma enfermeira reformada e fã nº1 dos seus romances, que o leva para casa ao invés de se dirigir a um hospital. No início essa decisão faz algum sentido devido à enorme nevada, e por momentos, quer para nós, quer para o protagonista, fica uma sensação que Annie pretende cuidar de Paul enquanto a tempestade não acaba, para depois chamar alguém que o possa levar a casa, visto que o próprio teve lesões numa perna que limitam a sua locomoção. Claro que é implícito que algo de aterrador acontecerá, e o um dos principais gatilhos responsáveis pela emanação de uma loucura crónica de Annie baseia-se quando a mesma lê os mais recentes manuscritos do escritor, e percebe que Misery morreu na história. No decorrer do tempo, Paul vai percebendo que Annie é psicótica, desde comportamentos sádicos que a sua fã executa, até ao seu discurso e olhares macabros. Paul aceita que a probabilidade de sair vivo dali é quase nula, mas será que o caminho para garantir a sua sobrevivência é agradar Annie dia após dia? Deixo esta pergunta em aberto para puderem disfrutar do filme da mesma forma que eu, sem revelar nada de extraordinário, pois podem acreditar que tudo o que disse até agora são pequenas minudências que não revelam de forma declarada aquilo que se vai passar no auge do filme.


Admito que em certos momentos fiquei sem fôlego. A loucura de Annie é palpável, e todas as reações de Paul são as nossas, pois este é uma representação fidedigna do espectador. Todas as suas reações e tomadas de decisão seriam elementos que nós próprios iriamos colocar em prática naquela situação. Claro que é tudo graças ao sadismo contido em Annie, que sabe conduzir os seus atos por caminhos que lhe livram da prisão do seu passado, em que cada ação face a terceiros é pensada e executada com frieza e cautela, sempre com uma concretização precisa.


Esta obra cinematográfica pode estender-se a certas reflexões. Annie sendo a obsessão em pessoa, representa os perigos do fanatismo que por vezes acontecem nos tempos de hoje. No filme, a ligação ídolo-fã acarreta consequências negativas para a pessoa que é idolatrada, pois Annie deseja partilhar uma vida com o seu maior ídolo. No mundo real, nada deste calibre acontece (espero eu), mas existe uma procura de bens materiais de grandes artistas com o propósito dos admiradores sentirem que estão mais próximos dos seus ícones. Há que saber separar a admiração do fanatismo, pois uma obsessão louca, que quase parece parasitismo, em nada vai beneficiar as duas partes envolvidas.


No final, temos um filme que vai além de uma história simples e de uma representação perfeita de Kathy Bates. Obviamente que tudo depende da capacidade do espectador em “escavar” mensagens mais subentendidas. Considero que o desvendar de reflexões não é empírico nem obrigatório, o filme pode ser visto como apenas uma história aterradora e marcante, mas para mim perde metade do interesse. Sentirmos repulsa face à protagonista e ao mesmo tempo procurarmos um paralelismo para a realidade, é uma mistura única que poucos filmes proporcionam.


Diogo Ribeiro

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