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Nightcrawler: A Sociopatia como motor do filme


Jake Gyllenhaal uma vez afirmou que se preocupa mais com o argumento do filme do que com o sucesso ou mediatismo do mesmo. Personagens desafiantes e histórias originais são o petisco predileto do ator. Ao analisar a filmografia do mesmo, é possível constatar diversos filmes que cumprem essas caraterísticas, e este filme sobressai como a melhor prestação do ator. Acaba por se tornar um filme underground, tanto que as receitas comprovam isso mesmo. Portanto, antes de se dedicarem à leitura da minha análise peço que vejam o filme, e só depois venham explorar a minha opinião. Até porque vou espelhar alguns pontos da história, pois só assim sou capaz de colocar as minhas óticas acerca desta longa metragem que devia ser obrigatória para todos, ou pelo menos para os cinéfilos. A partir daqui estão por vossa conta e risco.


Como já reparam pelo título, a sociopatia é o alicerce principal desta história. Quando vi o filme pela primeira vez, demorei um bocado para concluir que a personagem de Jake Gyllenhaal, denominada de Louis Bloom, é um sociopata. Porventura, para quem já viu o filme, podem ter usufruído de menos ou mais tempo que eu para alcançar essa conclusão. Na realidade, a primeira meia hora do filme é mais que suficiente. E porquê tão pouco tempo? O protagonista é claramente o foco da história, pois aparece no ecrã do início ao fim do filme, só ele interessa. No que toca à sociopatia, existem diversas pistas nesse sentido logo no início, que obviamente se mantêm até ao fim. Louis Bloom é nos apresentado como alguém que rouba para conseguir dinheiro, enquanto sonha com um emprego estável. Na única tentativa de garantir uma profissão, Louis, que vendeu os seus produtos roubados a um gerente, profere um discurso previamente pensado e meticulosamente bem argumentado, mas que é em vão, pois, o gerente ignora totalmente o que Louis diz e responde-lhe: “Eu não contrato ladrões”. Louis aceita essa razão e sorri. Esta cena parece ser inútil, mas desenganem-se. Tudo neste filme faz sentido e tudo tem uma razão de ser. Já que mencionei uma cena que à primeira vista não parece ser relevante, logo de seguida o protagonista, sozinho em casa, enquanto organiza a sua roupa, vê uma comédia na televisão e ri-se para o lado como se alguém estivesse perto dele. E são estes pormenores que elevam o filme. Pequenos pontos que podem passar ao lado, mas que para um olhar mais atento permitem perceber que existe uma exibição constante da sociopatia da personagem. A sua personalidade está definida ao longo do filme, Louis não melhora nem piora, ele é como é. Tudo o que faz é consoante as suas caraterísticas que conhece muito bem.

Posteriormente, Louis decide investir numa carreira de jornalismo criminal independente. O objetivo é filmar acidentes de viação, roubos, assassínios, e vítimas mortais, para depois vender as suas imagens aos canais de televisão. Louis é alguém que aprende rapidamente, e percebe logo o melhor trajeto para atingir o maior nível neste novo ofício. Conhece a concorrência, os valores de mercado, os códigos da polícia e pessoas na área da televisão. Acaba por contratar um assistente, pois as tarefas são muitas para uma pessoa só. O momento da entrevista é a certeza máxima que Louis é um sociopata. É inteligente, manipulador e insensível. O próprio pretende contratar alguém que conheça as ruas de Los Angeles, não quer saber se o seu futuro empregado já teve outros trabalhos ou se até possui estudos. Revela a sua falta de empatia quando pergunta a Rick (Riz Ahmed) se já se prostituiu visto que é um sem-abrigo. Esta pergunta e outras apenas para confirmar se Rick conhece de facto as ruas e os caminhos da cidade. Só por aqui, percebe-se que Louis é metódico, e que tudo o que diz tem um objetivo. Nenhuma palavra proferida pelo protagonista é mal colocada. Outro exemplo, é o “date” que tem com Nina (Rene Russo), uma veterana de um canal de televisão local e profissional em jornalismo sensacionalista, à qual vende as suas imagens. Neste encontro, não se vê o “flirt” normal, nem trocas de olhares, nem o explorar do passado e vivências de cada um, nada é normal. Louis rapidamente mergulha na sua esfera repleta de palavras manipuladoras, com o objetivo de ter relações sexuais com Nina. E das duas uma, ou Nina aceita fazer parte da vida íntima de Louis, ou este passa a vender as suas imagens a outro canal. “O verdadeiro valor de um objeto é o preço que alguém está disposto a pagar. Tu queres algo e eu quero-te a ti”. A questão que deixo no ar é: Antes destes momentos de diálogo meticulosamente pensados por Louis, será que ele já sabe com toda a certeza que vai conseguir o que quer?

Já garantida uma ajuda para o seu trabalho, Louis e Rick preenchem as suas noites a filmar tudo o que é atrativo para ser exibido no telejornal do dia seguinte. Louis ao conversar com Nina compreende que as imagens gráficas e sangrentas são os melhores produtos para arrecadar mais dinheiro, e que são receita certa para aumentar as audiências do canal. Louis melhora a cada noite que passa, com a compra de novos produtos de filmagem e até de um carro mais veloz do que aquele que possuía. Mas não fica por aqui. A concorrência, mais precisamente outro jornalista da área chamado Marcus, é o seu principal rival. Louis nem pensa duas vezes, e sabota o carro de Marcus de maneira a este ter um acidente. Quando a tragédia acontece, Louis filma tudo, e o seu companheiro diz que não o devia fazer por ser um colega de profissão. Louis responde dizendo que Marcus já não é colega, e que deve ser profissional fazendo o seu trabalho, e não abre exceção. Se isto já é mau o suficiente, sentem-se e preparem-se para comportamentos mais polémicos. Louis percebe que um bom enquadramento é uma caraterística que permite ao espectador ficar colado à televisão, e quanto mais detalhe melhor. Com isto em mente, a sua ausência de sensibilidade e escrúpulos vem ao de cima. Num acidente de carro, Louis transporta a vítima mortal para um local perfeito para a sua filmagem. Num assalto a uma casa, o próprio entra dentro da moradia para apanhar um plano perfeito do casal que está a ser entrevistado pela polícia, e ainda consegue obter os nomes do casal ao roubar uma correspondência. Num assassinato triplo num bairro rico de LA, ele entra dentro da moradia e filma todas as vítimas mortais com muito pormenor, inclusive os dois criminosos responsáveis. E mais uma vez repito, tudo continua a piorar. Louis guarda o excerto das filmagens que mostram os responsáveis do crime. Mesmo após ser entrevistado pela polícia, não entrega essas provas. E isto para quê? Não se esqueçam, ele faz tudo por alguma razão. Nas filmagens, Louis focou na matrícula do carro dos assassinos. E com essa informação pretende rastrear a viatura para os seguir, com o propósito de os denunciar, para depois gravar a detenção. Um pouco antes disto, Louis e Rick discutem aumentos salariais, e posteriormente voltam ao mesmo tema quando Rick ameaça denunciar Louis por não ter entregue as provas, e Louis aceita a hipótese de dar a Rick metade dos lucros da noite da detenção. Os polícias chegam ao local onde os criminosos se encontram, com Rick e Louis a filmarem tudo. Logo após esse momento, uma das melhores perseguições que já vi sucede-se com alto nível de suspense e de imprevisibilidade. No final, quer o carro da polícia quer dos criminosos chocam e despistam-se. Louis sai do carro pronto para filmar tudo, e ao perceber que o criminoso está vivo, chama o seu assistente para filmar o interior do carro, mas diz-lhe que o criminoso está morto e que não há perigo. Rick é baleado e Louis filma-o enquanto observa toda a dor e agonia do seu ex-parceiro. Ambos trocam algumas palavras, e Louis justifica o que fez dizendo que não faria sentido ter como empregado um mentiroso chantagista, e que muito provavelmente a ameaça que Rick lhe fez ia repetir-se no futuro. De seguida Rick morre. Eu bem vos disse que a cena em que Louis era rejeitado de um emprego por ser um ladrão era importante. Tudo o que Louis vive é uma aprendizagem.

Na minha ótica, este filme proporciona um argumento muito original, não só a nível dos acontecimentos em si, mas também porque temos acesso a uma personagem sociopata bastante contemporânea. A sociopatia é muito bem retratada, o protagonista está muito bem construído, a história é inédita, a prestação de Jake Gyllenhaal é perfeita, tudo está perfeitamente articulado. O filme quase que parece uma música. Não esquecer aqueles pormenores subentendidos, acerca do espelhar do transtorno antissocial da personagem, que enfeitam esta “música cinematográfica” com aquele toque de brio. “E se o meu problema não for não compreender as pessoas, mas sim o facto de não gostar delas?”. Esta interrogação é proferida por Louis anteriormente à detenção dos criminosos, e só prova que o protagonista tem noção do que é, e aceita-se assim, e vê nele a melhor ferramenta para o seu futuro. Um filme que merece mais público, maior classificação, e que infelizmente passou ao lado dos senhores da academia.

Diogo Ribeiro

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