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O Ato de Matar & O Olhar do Silêncio: Confrontando a Realidade



(Antes de começar, quero só referir que isto não será uma análise ou uma crítica que envolve aquilo que gostei ou não gostei destes dois filmes, mas sim espero que funcione como um convite para se sentarem e verem estes dois trabalhos importantíssimos do século XXI). O estilo documental procura mostrar o mundo como realmente é. Não as interpretações da realidade ou tentar retratar algo da forma mais realista possível, mas sim a própria essência da realidade. Só que, ter uma câmara à frente do sujeito de estudo acaba por quebrar com essa noção, nós tendemos a alterar o nosso comportamento (foco da visão, discurso, gesticulação) devido à noção que aquilo que fizermos será perpetuada em filmes/vídeos. Tendo isto em conta, Joshua Oppenheimer aventurou-se pela Indonésia, criando dois ambiciosos projetos documentais que denunciaram atrocidades do passado. O primeiro, e mais espetacular, foi “O Ato de Matar” de 2012, o segundo, “O Olhar do Silêncio”, de 2014. Mas primeiro, algum contexto histórico de uma forma bastante simplificada para perceberem do que estamos a falar. Na Indonésia, a 1 de outubro 1965, um golpe de estado que acabou por falhar, levado a cabo pelo grupo militar autointitulado de “O Movimento Trigésimo de Setembro”, resultou na morte de seis generais do Exército Indonésio. Nos dias seguintes, grupos militares, sócio-políticos, e religiosos culparam o Partido Comunista por este golpe. Todo este clima propiciou a ocorrência de genocídios em massa, atos de tortura e outros atos violentos por todo o país. Passados quase 50 anos, o que mudou e como vivem as pessoas com a noção da ocorrência destes acontecimentos?

As crianças que viram os seus pais morrer são agora adultos, aqueles que conseguiram sobreviver estão destroçados e os criminosos, ainda continuam por lá. Joshua Oppenheimer decidiu então fazer documentários em que investigava estes acontecimentos de uma forma completamente revolucionária. A abordagem tradicional seria a de questionar as pessoas, mostrar algumas localizações que foram palco de tanta violência e de adotar sempre um olhar crítico em que se confrontaria aqueles que foram responsáveis. Mas Oppenheimer escolheu para este primeiro trabalho, dois indivíduos que muito improvavelmente seriam as estrelas de outros documentários, os gangsters Anwar Congo e Adi Zulkadry da região de Medan, do Norte da Sumatra que acabaram por ser promovidos a líderes dos temíveis Esquadrões da Morte, que se ocupavam de procurar aqueles que fossem comunistas (ou que fosse conveniente que assim o fossem) para os exterminar, durante a década de 60. O objetivo era simples, utilizando os estilos cinemáticos que preferissem, estes homens iriam recriar os seus crimes por mais sangrentos que o fossem. As formas como mataram, onde o fizeram e quem foram as vítimas, definiu a evolução da produção e o resultado é tão espetacular quanto assustador.

Para “O Olhar do Silêncio”, a abordagem foi mais tradicional, mas igualmente arrepiante. Um homem de meia-idade que não foi identificado, nem que durante o filme identifica de que aldeia vem por medo das consequências dessa revelação, confronta os homens que mataram o seu irmão durante os já referidos homicídios de “comunistas”. As entrevistas são conduzidas com o pretexto da realização de um exame ocular para facilitar e os resultados são estrondosos. É uma viagem emocional para um homem que representa o sentimento de toda uma nação, ou pelo menos de uma parte desfavorecida dela mesma.


O meu trabalho deveria ser uma análise a fundo dos temas e daquilo que foi abordado nestes dois trabalhos, mas sinto que, e especialmente nestes filmes, as temáticas são tão evidentes que tentar explicitá-las seria talvez uma redução demasiado básica delas mesmas. A contextualização detalhada está lá, os eventos são retratados ou descritos de forma fiel e mais que tudo, as emoções estão nas imagens que vemos. Todos os momentos de quebra emocional, arrependimento (ou falta dele), tristeza, felicidade, riso, o que quer que seja estão lá. As imagens não são pesadas como num filme de terror que faz questão de nos mostrar as vítimas desmembradas, mas as descrições são aterradoras, especialmente pelo facto de serem reais. Saber que é real tem um efeito maior no nosso coração. Estas duas obras são um exemplo fantástico do poder e influência que o cinema pode ter e o quão maior que a vida pode ser. Se as viram, sabem do que falo, se não viram, de que estão à espera?


Manuel Fernandes

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