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O Filme do Bruno Aleixo: O que faz um Filme ser Cinema?



Bruno Constantino Ribeiro Aleixo é, atualmente, uma bastante conhecida figura portuguesa, graças à panóplia de meios audiovisuais a que recorre para mostrar os seus dotes humorísticos, permitindo aos seus fãs assistir das mais variadas maneiras e satisfazendo os mais diversos gostos. Vindo das mentes de João Moreira e Pedro Santos, nasce a adorada personagem. Desde televisão, internet, rádio, espetáculos e mais recentemente cinema, é impressionante a forma como um antropomórfico Yorkshire Terrier que apareceu pela primeira vez numa série de vídeos na plataforma Youtube, intitulados “Os conselhos que vos deixo” (ainda como um Ewok, e portanto previamente à sua cirurgia plástica), chegou às salas de cinema e até a Festivais de Cinema (em Portugal e no Brasil, onde, curiosamente, é muito popular).


Em 2008, após fazer sucesso numa conversa com Nuno Markl em Os Incorrigíveis, Bruno Aleixo teve direito ao seu próprio programa tipo talk-show e através de um estilo minimalista que dá a entender que Aleixo e seus colaboradores no programa pouco se esforçam para trazer os seus episódios para a TV, quando se trata uma simples paródia de outros programas que usam este formato. O estilo torna-se na piada. Sempre irreverente relativamente às convenções televisivas e sem esquecer a tradição e o bom português, surge “uma celebridade” de culto que iria para além do padrão televisivo. Séries online como a amada “Aleixo na Escola” (um reminiscente da cultura e experiência infantil portuguesa) ou “Aleixo no Brasil”, o “Aleixo FM” que passava na estação “Antena 3”, e “Bruno Aleixo/Biografia Não Autorizada”, o divertido espetáculo que combinou vídeo, monólogos e colóquios, foram alguns dos projetos que antecederam “O Filme do Bruno Aleixo”.



O nosso adorado ex-ewok aparece numa produção “meta” e auto-referencial cuja premissa passa por um brainstorming onde Bruno, Busto, Homem do Bussaco e Renato Alexandre discutem qual seria a melhor história para representar a vida de Bruno Aleixo num filme. E à boa maneira Aleixiana, após um prazo de três meses, apenas no dia em que a ideia deveria ser apresentada, é que Bruno se lembra de sequer pensar no assunto. O que segue são vários “filmes” fruto da mente destas personagens e isso leva-nos a questionar: “O que faz um filme ser cinema?”. O que nos é apresentado é fantasticamente absurdo e hilariantemente diferente. Transcende géneros cinemáticos por não ser possível encaixar os elementos numa definição certa. Por vezes parece que estamos de volta de “O Programa do Aleixo”, em que vemos as personagens ocupando a tela e discutindo o mundano, à sua idiossincrática maneira. Outras vezes, vemos os elementos típicos do cinema. Momentos de ação em que após o rapto de uma figura querida ao protagonista, ele e o seu parceiro unem-se para lutar e resgatar o irmão indefeso. Algo mais avant-garde, com recurso ao preto e branco e a elementos do cinema-noir. Ou até ao realismo em que, numa festa, vemos Bruno e o seu amigo, Ribeiro, a cumprimentar toda a gente numa festa, algo que certamente é evocativo do quão aborrecida a vida pode ser em momentos, algo que os filmes tão carinhosamente se abstêm de fazer em prol da paciência da audiência. Em tudo é transgressão daquilo que se pode fazer num filme. Algumas cenas voltam atrás no tempo de forma a alterar os elementos (mas por indecisão do narrador, algo bom na verdade) que previamente foram determinados, títulos são apresentados e substituídos por outros novos. Inclusive, durante uma das sequências com mais suspense, somos presenteados com publicidade da original e surrealista “Mister Cimba” que nos oferece produtos fantásticos e ilógicos que de maneira alguma se poderia chamar de subtil. Em vez disso, tal e qual um filme de sábado à tarde, as publicidades irrompem subitamente, quebrando o ritmo a que estávamos habituados. A diferença é que em “O Filme do Bruno Aleixo”, essa publicidade faz parte do próprio filme. Um destaque especial para a mais curiosa vassoura que tive a oportunidade de ver num filme. A maravilha com traços infantis (no bom sentido que a palavra pode tomar) dilui a realidade e imortaliza-se num parque-de-diversões. Em termos de estrutura, normalmente procuramos os três atos, introdução, desenvolvimento e conclusão tão típicos das narrativas que são lógicas e nos dão o sentido de ordem. Mas o enredo principal que a lado nenhum se dirige e nada atinge, não se assemelha a sequer a dois atos. Temos um momento prolongado no tempo, intercalado por várias premissas curtas.


Além destas histórias ridículas e divertidas, o live-action substitui as figuras digitais a que estamos habituados e somos presenteados com famosos atores como Adriano Luz no papel de Bruno Aleixo, e Rogério Samora como Homem do Bussaco. Até um já recorrente colaborador, Fernando Alvim, é um componente integral de imensas piadas. Temos atores e enredos múltiplos que a nada chegam mas que a nossa perceção é que a combinação destes seria passível de passar num filme. Mas algumas das ideias até passam por aquilo que associamos à televisão. Por uns breves momentos, torna-se numa telenovela brasileira. Durante mais algum tempo, é uma sitcom, em que são ditas piadas a cada 20 segundos e Gonçalo Waddintgon olha com uma cara atrevida para a câmara sempre que faz um comentário sarcástico. Ouvimos risos e palmas e pensamos que nunca iríamos ver isto num filme. Será que por essa razão, “O Filme do Bruno Aleixo” não é cinema? Ou será que até os curtos vídeos de 30 segundos que ele fez para a internet podem ser considerados cinema? Talvez sejam, mas sem dúvida que o mais longo trabalho deste personagem é cinema. Cinema que quebra as regras e dita aquilo que o meio pode ser. “O Filme do Bruno Aleixo” oferece o esplendor e o riso do ridículo e da imaginação e como as nossas brincadeiras mais patetas podem ser originais e espetaculares. Mostra que podemos contar o que quisermos sem objetivos moralmente superiores, as ditas “mensagens” bonitas e floreadas que tantos gostam para sentirem que o tempo que “perderam” foi recompensado, quando mesmo o absurdo pode oferecer os mais brilhantes momentos, que vão desde ao riso descontrolado até à formulação de ideias inteligentes e inesperadas com origem no que parece ser inocente e desprovido de pensamento crítico (pode parecer assim, mas sabemos que não o é). Resta esperar pelo próximo grande projeto de Bruno Aleixo e reaproveitar o já existente material.


Manuel Fernandes

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