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O Salário do Medo: A Vida por um Fio



Henri-Georges Clouzot é um dos originais mestres do thriller e suspense. Todos se lembram de Alfred Hitchcock é certo, um dos melhores realizadores da História, mas Clouzot foi igualmente relevante e responsável por muitos dos temas e técnicas aplicados no género. Sem dúvida que o seu grande feito (no meio de obras como “As Diabólicas”, “O Crime da Avenida Foch” e “Le Corbeau”), é o clássico francês “O Salário do Medo”, um filme enervante, que nos dá todo o prazer de uma aventura tropical.


O ambiente relembra “Casablanca”, mas abandonando o cenário marroquino por uma multicultural aldeia sul-americana onde de tudo e todos se vê. Crianças meia-nuas percorrem as ruas brincando com os incêndios, ingleses, alemães, franceses e os nativos convivem em cafés decrépitos onde nada há para fazer senão esperar pela oportunidade de sair dali e, ocasionalmente, vê-se um homem rico que abana as suas valiosas notas e deixa todos com um brilho nos olhos por verem isso pela primeira vez em muito tempo ou talvez em toda a sua vida. Os personagens são muito curiosos e excelentemente desenvolvidos. A primeira hora quase serve de exposição para estas personagens, antes da aventura, mas nunca parece que nos estão a dizer “Este é o Jo, este é o Mario, etc…”, as coisas “rolam” tão suavemente que nem estranhamos que nos estejam a apresentar os protagonistas. Fazendo uma breve apresentação, Mario é o nosso herói. Vou reformular, é o nosso protagonista, não podemos falar de heróis quando as personagens são 100% humanas e agem de acordo com as suas morais, ideias e experiências. Algumas melhores, outras piores. Mario é um dos protagonistas e a definição de um homem fixe e com estilo. Usa uma camisola de manga cavas meio rasgada que mal lhe tapa o peito, um casaco por cima e um lenço no pescoço. Namora com a mulher mais atraente da cidade, de nome Linda que lhe assenta como uma luva, que apesar de alguns distanciamentos emocionais de Mario, ama-o com todo o seu coração. É a definição de virilidade. Jo é aquele homem que todos conhecemos. Que se arma no maior. E de uma confiança aparentemente inabalável, que fará tudo para atingir os seus objetivos e parece que sequer confrontá-lo será a nossa sentença de morte pois ele emana uma aura de poder e riqueza.


Passemos à aventura. E se há algo que o cinema pode fazer é aliar a montagem com a cinematografia para levar-nos pelo desconhecido de uma forma emocionante e perigosa, apesar do facto de o único perigo que nos poderá assolar ser a nossa cadeira (houve quem morresse assim, reza a história). É impressionante a forma como Clouzot o faz. Cortes rápidos entre as personagens e o seu estado de espírito ansioso, raivoso ou aparentemente calmo, com imagens tremidas do nosso percurso ou do ambiente que para trás ficam criam um enorme aperto no coração. E esta aventura é sinónimo de uma adrenalina brutal. É necessário fazer uma entrega de explosivos (nitroglicerina) e os trabalhadores da refinaria de petróleo recusam-se a fazer pois o trabalho é demasiado perigoso. Solução? Contratar os pobres renegados presos naquela aldeia. Um trabalho cheio de perigo terá naturalmente imensas regalias monetárias. Mario, Luigi e Bimba são selecionados para trabalhar neste projeto. Jo não é inicialmente selecionado, mas ele sabe como persuadir os outros. Apesar dos gritos desesperados de Linda que sabe que Mario vai a caminho de uma morte certa, os homens não desistem, precisam do dinheiro, é demasiado para recusar.


E são estabelecidas as regras que vão ditar todo o percurso. Nada de acidentes ou explodem. Nada de acelerar e travar subitamente senão explodem. Qualquer coisa e explodem. É um fim bastante dramático que eles não querem conhecer e nós também não queremos fazer parte disso. Somos perseguidos por toda loucura, esta ânsia pela vida e por chegar ao destino. Quanto faltará? Quero que eles sobrevivam, quero que cheguem ao fim. Não são propriamente as pessoas que mais gosto, mas sinto uma empatia brutal por eles e um respeito enorme pela sua vida. E não é que o preto e branco até ajuda neste efeito? Este mundo torna-se mais duro e obriga-nos a ver mais friamente a vida. Questiono-me se teria o mesmo efeito a cores. E poderei ver a minha questão respondida no futuro, pois o mesmo livro foi adaptado nos anos 70 por William Friedkin (“Os Incorruptíveis Contra a Droga” e “O Exorcista”) com “O Comboio do Medo” que dá outra camada a este thriller, não tendo no entanto visto o filme, mas poderei ter mais desta história com essa outra adaptação que apesar de não tão reverenciada quanto “O Salário do Medo” também tem o seu lugar na História para os cinéfilos.


Uma recomendação para aqueles que procuram emoções fortes. E apesar daquilo que se poderia acreditar, uma revisão do filme não perde muito. Mesmo sabendo o desfecho, continuei a sentir-me preso por esta aventura, e visualmente estimulado pelos truques e técnicas que Clouzot aplicou tal e qual um mágico que faz coisas que nunca irei perceber como.

Manuel Fernandes

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