top of page
Foto do escritorunderscop3

Os Canibais: Quando Manoel de Oliveira Abraçou o Surrealismo



Não há dúvida alguma de que o grande vulto do cinema nacional é Manoel de Oliveira. Com uma carreira que se iniciou no cinema mudo, viu a chegada do som, o advento da cor e da passagem de película para digital, Manoel de Oliveira foi mais que prolífico ao longo de 84 anos de carreira, um feito impressionante e pouco replicado por outrem. Entre ficção ou documentário, curtas ou longas-metragens, foram cerca de 60 trabalhos deixados para trás onde podemos encontrar as mais variadas obras, em termos de género, narrativa, imagem, etc…


Entre tantos trabalhos que se poderiam destacar, existe um que é impossível deixar de passar ao lado. “Os Canibais” é o único musical de Manoel de Oliveira e mesmo dentro dos musicais, este não é o mais convencional. É uma ópera totalmente cantada que cruza a beleza musical dos filmes de Jacques Demy e a loucura surreal de Luís Buñuel. Por vezes é mesmo quase como se “Os Chapéus de Chuva de Cherburo”, com as suas músicas apaixonantes, se amalgamasse com o pesadelo desesperante que é “O Anjo Exterminador”. E os visuais são bastante evocativos de um prévio filme do realizador português. Relembram as roupas extravagantes e românticas da nobreza em “Francisca”. Os tons variam desde o azul ao vermelho e os cenários são lindíssimos. Neste filme, Manoel de Oliveira juntou alguns dos seus colaboradores frequentes como Luís Miguel Cintra, Diogo Dória e a sua musa, Leonor Silveira, e deu-lhes novas vozes. Os atores mantêm o rosto e gesto, mas as suas vozes forma substituídas por cantores, algo que foi feito de uma forma quase impercetível, um elogio sem dúvida. E as várias homenagens a Paganini não foram esquecidas, inclusive a sua mais famosa obra no meio de um trabalho tão genial e virtual, o “Capricho nº 24”. Esta peça é tocada numa fantástica sequência onde a câmara avança num circuito dolly que nos permite avançar do exterior do papel para a ostentosa sala de jantar.


Os primeiros segundos são uma amostra da loucura a que vamos assistir. As personagens chegam de carro ao palácio para a festa. Mas elas acenam para o horizonte, como se de celebridades se tratassem. A câmara mostra quem está do outro lado e várias pessoas, com roupa mais moderna que contrasta com a indumentária antiga das nossas personagens, aplaudem a chegada dos nobres. Basta este momento para percebermos que nada será mais que uma representação… tal e qual uma ópera. Até temos direito a um narrador que, acompanhado do violinista, inicia a música para que se possa começar a cantar o fado. Espera, não o fado! É um filme português, mas não tão português quanto isso. Quanto à narrativa, segue as habituais tramas românticas, ou pelo menos, assim o faz no primeiro terço do filme. Entre o Visconde d’Aveleda e a bela Margarida se inicia um romance ao luar. Sob os tons de azul da noite, que são tão melancólicos, os dois declaram-se. Mas o malvado Dão João assistiu a tudo e decide iniciar o conflito. É o tipo de história que já vimos em mil outros filmes, livros, músicas, teatros e outros tantos meios da representação artística. Nas hipnotizantes coreografias nas salas de baile, que relembram “O Leopardo” de Luchino Visconti ou a produção da Disney “A Gata Borralheira”, esperamos assistir à continuação previsível deste conto. E se assim fosse, tudo o que tinha escrito para trás seria mentira, porque nada será tão simples como fiz parecer. Quase que tenho receio de avançar em mais alguma coisa pois estaria simplesmente a destruir ao leitor a experiência fantástica e chocante que é o ponto de viragem neste filme. O melhor será não o fazer, não há nada como entrar num filme assim a saber pouco daquilo que se vai passar.


Manuel Fernandes

Σχόλια


bottom of page