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Pagos a Dobrar: O Noir Definivo




Ambiguidade moral, Femmes Fatales e jogos de sombras são algumas das características que definem o cinema noir, termo cunhado pelo crítico francês Nino Frank, em 1946. Durante as décadas de 40 e 50, filmes que englobavam os citados elementos, entre outras como cinematografia a preto e branco, ou histórias envolvidas em crime tornaram-se populares entre grandes realizadores em Hollywood. “Relíquia Macabra” de John Huston, “Mentira” de Alfred Hitchcock, “A Dama de Xangai” de Orson Welles, “Corrupção” de Fritz Lang, ou “A Sombra do Caçador” de Charles Laughton são alguns exemplos de obras cinemáticas que encaixam no género e que o sedimentaram na História do cinema. Porém, existe um filme que é “mais noir” que todos os outros grandes filmes do género. Refiro-me a “Pagos a Dobrar” de Billy Wilder.


Fred MacMurray interpreta o anti-herói Walter Neff, um vendedor de seguros que vai entrar por um caminho de perdição do qual não poderá regressar. A sua história começa pelo fim, uma técnica narrativa que Wilder voltaria a empregar no seu outro clássico noir “Crepúsculo dos Deuses”. Neff regressa ao seu escritório, ele está pálido, branco como cal, suado, e é visível um ferimento de bala. Ele grava o seu monólogo num dictafone (aparelho descontinuado) e admite ter sido ele quem o matou. Quem é a vítima, não sabemos, nem o que aconteceu, mas Walter vai-nos contar tudo. Um homem que sabe que em breves momentos irá morrer, e que não quer abandonar este mundo com um segredo tão mortífero quanto o que carrega.

O resto do filme é contado sob a forma de um flashback, desvendando aos poucos o que levou Walter à situação maldita em que se encontra. Tudo começou com uma bracelete no pé, um discurso sedutor e uns olhos intrigantes dos quais Walter não se conseguiu libertar. Entre diálogos rápidos, astutos e perspicazes, e uma ação surpreendente e emocionante, a câmara vai-se movendo de uma forma perfeita, captando todas as emoções e reviravoltas que esta história oferece à sua audiência.


Tal como noutros filmes noires, cabe a audiência decidir o que é a moral. Uma personagem como Walter Neff não é particularmente má. Inicialmente, ele não tem nenhum propensão a fazer o mal, Keyes até refere que considera Neff um homem capaz (sendo ele a melhor pessoa para o ajudar no seu trabalho, investigando fraudes em seguros) e um íntimo amigo, a relação entre os dois, e o simples gesto de lhe acender o charuto, assim o mostra. Não é diferente de mim nem de si, caro leitor, porém, é num simples homem como este que se inicia este sórdido crime. E tal como noutros filmes, uma mulher bela instiga o crime que irá sobrevoar para sempre na mente do suposto herói. Barbara Stanwyck ocupa essa papel. A famosa estrela de Hollywood interpretou uma personagem diferente de todas as outras vezes em que atuou e o resultado foi um clássico instantâneo. Mas poderemos compará-la a Walter? Será ela a personificação deste mal que invade Neff? Ou mais uma vítima de uma vida cheia de dissabores a culminar numa visão cínica e sem qualquer réstia de sentimentalismo?


Não se trata, portanto, de uma narrativa movida pela simplicidade do bem contra o mal. Nem sei se podemos sequer definir tais conceitos de uma forma maniqueísta em tal filme. As ações foram erradas, mas as razões por trás toldaram a mente das suas personagens e inclusive, a forma que nós como espectadores as vemos. Não se trata de apologia da criminalidade, apenas uma referência a que tudo é mais complicado daquilo que nós gostaríamos que fosse. E ainda bem que assim o é, fosse o cinema tão simples, não teria piada alguma.


Manuel Fernandes

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