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Paris, Texas: perdido com determinação



Paris, Texas conta, apoderando-se de manifestos sonoros intensos, a história de um homem que se perdeu na sua missão e que procura agora reencontrar o ponto de equilíbrio. O filme franco-germânico de 1984 permite a imersão num universo de constante descoberta.


Primeira cena principal: homem de chapéu vermelho e de fato, naquilo que chamaríamos um autêntico deserto; ambos (e aqui refiro-me à sua indumentária e à pessoa em si) completamente rotos; fome, sede e cansaço, esse é o espelho dos seus olhos. Estará perdido em busca do caminho certo? Ou estará apenas a fazer uma pausa combinada no percurso previamente determinado?




Este homem é Travis. Um homem adulto que, de acordo com o seu irmão, Walt Henderson, encontra-se perdido há quatro anos. O reencontro dos dois foi precisamente em Texas. No entanto (e como o percurso do herói nunca pode ser fácil), esta foi uma bumpy ride. Digamos que as coisas estavam diferentes. Atenção! Não estou a falar de mudanças típicas alusivas à passagem do tempo, refiro-me a algo invulgar, bizarro.


As lembranças de um homem apaixonado, alegre e brincalhão, às quais temos acesso mais tarde no filme (através de um delicado projetor antigo e de imagens manchadas, mas nítidas o suficiente), caíram por terra. Hoje, completamente mudo, não consegue dormir, não se lembra do seu passado e insiste na busca de algo.


A determinação de Travis faz com que algumas das cenas do filme sejam demasiados previsíveis, tirando algum do prazer na sua visualização. Fugas, atrás de fugas… Por outro lado, é esta demarcação de posição que leva os seus fiéis companheiros, parceiros de cena, e a nós, público, a perceber a sua verdadeira intenção.


Além de nos questionarmos sobre a índole da personagem, a história torna-se ainda mais esquisita quando percebemos que Travis tem um filho e que o abandonou. Em contrapartida, é este filho que o auxilia, mais tarde, na sua procura. Ademais, as cenas de aproximação das personagens, Travis e Hunter, são extremamente delicadas e caricatas.


Amuos e discussões que, aos poucos e poucos, se transformam em união. De recusas a conviver no mesmo espaço a um viagem juntos. Um dos momentos mais marcantes da relação é quando Travis vai buscar Hunter à escola. Contudo, decidem, sem a necessidade de falar, seguirem o caminho para casa um em cada lado da rua. Durante o percurso, imitam-se um ao outro e percebem (e nós também) as suas similitudes.




Ainda não vos disse, mas a mãe de Hunter também havia desaparecido do mapa. Sendo assim, o irmão de Travis e a sua mulher assumiram a paternidade. Apesar de ser um filme de 1984, Paris, Texas permite explorar a relação entre pais biológicos e pais “adotivos”.


Após o retorno de Travis, a “nova mãe” dá sinais do medo da mudança, “what is going to happen to us if we lose Hunter?” Um medo que poderá ter levado a tentativas de manipulação pouco corretas. Para além disso, mantendo ainda a temática familiar, o filme explora o modo como os nossos pais influenciam a construção do nosso ser.


Ao longo do filme, percebemos uma enorme preocupação pormenorizada à constituição visual de cada cena, desde os momentos em espaços mais complexos aos menos complexos. Tomemos por exemplo um café de Texas. Entramos num ambiente soturno, praticamente vazio… Um frigorífico desgastado com autocolantes, uma máquina de fazer gelo, um póster de uma mulher nua e uma placa onde se lê – “The dust has come to stay. You may stay or pass on through or whatever.”


À primeira vista, todos estes elementos parecem insignificantes. No entanto, a simples placa, que talvez nem os frequentadores do café iriam notar, pretende representar o estado de Travis. Uma personagem que preambula desesperadamente à procura de uma reconciliação. Quase que num serviço de penitência, visto como obrigatório, mas sem perceber o porquê. “I am afraid of walking away, of what I might find to not fight this fear.”


O filme conta com a participação de Harry Dean Stanton (Travis Henderson), Dean Stockwell (Walt Henderson), Nastassja Kinski (Jane Henderson), Hunter Carson (Hunter Henderson), Aurore Clément (Anne Henderson) e Bernhard Wicki (Doutor Ulmer), entre outros atores. Por sua vez, um dos sons mais marcantes do filme corresponde a um solo de guitarra de Ry Cooder, baseado em Dark Was the Night, Cold Was the Ground de Blind Willie Johnson.


Bruna Sousa

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