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Rushmore: Onde é que falhamos na vida?



Normalmente, incluo a tradução portuguesa do título, mas achei que “Gostam Todos da Mesma” não se adequa tão bem ao filme como simplesmente “Rushmore”, pois nesta palavra temos a resposta para aquilo que são as nossas dúvidas pessoais sobre o que é a vida. Realizado por Wes Anderson, um dos mais prolíficos e virtuosos realizadores dos últimos anos, estreou-se nas longas metragens com “Roda Livre” em 1996. Seguiu o seu caminho cinematográfico com “Rushmore”, iniciando a primeira de várias colaborações com Bill Murray, sendo este o papel que fez renascer a carreira do famoso comediante. Wes Anderson é muitas vezes acusado de ter uma preocupação extrema com a estética, deixando de lado a moral ou ideias, algo que acho tremendamente injusto pois, na verdade, ele consegue explorar temáticas terrivelmente humanas de uma forma subtil, obrigando a audiência a um grande esforço para as ver para além dos quadros perfeitamente simétricos e coloridos que montou.


Peguemos nos créditos iniciais, neles vemos pintado Herman Blume com a sua família e não será a última vemos que iremos ver este quadro. Um bom artista usa os créditos iniciais não como uma simples forma de mostrar quem trabalhou no filme (algo importante pois para fazer um filme é necessário o trabalho de imensa gente que nem sempre é valorizada), mas também para dar algo à audiência, de forma a poder conduzi-la pelas restantes cenas. Algo em Herman Blume não parece estar bem. As expressões faciais não transmitem qualquer cumplicidade ou sequer felicidade por estar com a sua família. A seguir vemo-lo a discursar para os alunos da escola Rushmore. Fá-lo de uma forma desinteressada e com alguma agressividade. Não para com os alunos mas para consigo mesmo. Quem vê o filme percebe isto, mas os alunos ainda são jovens e não percebem o que ele quis dizer (até porque não foi adequado a crianças) e apenas um bate palmas no final. Trata-se do protagonista, Max Fischer, provavelmente o mais esforçado de todo o lote de estudantes, fazendo parte de um enorme leque de clubes desde o clube de debate até à equipa de luta-livre (ainda que como suplente). Parece que Max é bastante produtivo e inteligente, mas, aparentemente, “É um dos piores alunos que temos” segundo o diretor. Além disso, apesar de todo o seu trabalho e esforço, Max está em risco de ser expulso de Rushmore devido às fracas notas.




“Quando um homem tem a chance de viver uma vida extraordinária, não tem o direito de a guarda para si” – Jacques Yves Costeau. Max encontra esta nota num livro da biblioteca e talvez lhe pareça uma verdade absoluta, ou um desejo escondido pois se há algo que Max ambiciona é ser alguém “especial”, e com impacto tal no mundo que será relembrado pela posteridade. Mas por enquanto, é só o Max, por isso mente aos colegas sobre quem verdadeiramente é, inventando histórias sobre os seus feitos e também sobre a sua própria família. Diz que o pai é neurocirurgião, algo que Max entende como sendo uma das definições de sucesso. Mas o seu pai é um barbeiro, e pelo que podemos ver, é um pai que ama o seu filho e o apoia no pior e no melhor. Herman Blume, por outro lado, parece cansado da sua vida. Os seus filhos não o respeitam, a sua mulher mete-se com outros homens (debaixo do nariz do marido) e com o seu emprego, que apesar de ser uma bela fonte de rendimento, não lhe traz a satisfação pessoal que em tempos deve ter sonhado que traria. Estes dois encontram-se e a primeira interação diz simplesmente tudo. “Qual o segredo, Max?”, “Tu Pareces conhecê-lo bem.” diz Herman Blume, vendo em Max aquilo que parece ser alguém que finalmente percebeu o significado da sua vida e tem tudo sob controlo. “Descobrir algo que se goste de fazer, e fazê-lo para o resto da vida.” é a resposta. E poderia ser uma resposta perfeitamente aceitável e evidenciaria que seria possível que naquele miúdo estaria a resposta para todos os problemas do universo. Mas Max não fica por aí, e diz “Para mim, é Rushmore.”, estragando o arranha-céus que tinha erigido com uma simples frase. Max mostrou assim que apesar de se mostrar seguro de si e da vida, que não compreende realmente o que está a dizer. Para ele, o mundo é estar eternamente na escola a participar em todos os clubes. Max não se assenta na realidade e em vez disso, assume o sonho como a regra para tudo. Este idiossincrático miúdo forma uma parelha com Herman Blume, sendo que um vê no outro aquilo que acredita que este seja, o idílico sucesso. Um vê aquilo que aspira ser, e o outro aquilo que desejou ter sido. Ambos se assentam em convicções erradas da outra pessoa. Em Rosemary Cross, estes dois encontram o conflito que avança a trama. Nela objetificam os seus sonhos. Max, na sua incompreensão juvenil, pensa que encontra o amor e o perfeito complemento para a sua grandiosa pessoa. Rosemary Cross é inteligente, bela e culta. Para Herman, talvez seja paixão mas quando esta se alia à vontade de fugir da sua vida para não enfrentar a realidade, será que falamos mesmo de uma paixão real? E assim, os anteriores amigos entram numa espiral destrutiva com o intuito de acabar com o adversário e conquistar a donzela. Mas as pessoas não funcionam assim, nem escolhem parceiros com base em duelos parvos entre dois tipos que procuram perceber quem são no mundo e não estão sequer perto de chegar a uma ínfima noção.


Eventualmente, ambos saem derrotados e são obrigados a reavaliar tudo o que pensavam. Max sente-se forçado a olhar para si mesmo como realmente é. E para isso também tem que se mostrar aos outros, não como a utopia que desenhou mas como o miúdo estranho (isto deve ser visto como um elogio) com as atividades mais inesperadas, e começar a valorizar aqueles realmente gostam dele, quer sejam o seu pai, Herman, o fiel Dirk, a nova amiga, Margaret Yang, ou Herman Blume. Este último também teve que aceitar as escolhas que fez para a sua vida, que no fundo é, tal como o processo que Max passou, aceitar-se a si mesmo. É nesta nota agridoce que Wes Anderson finaliza Rushmore. E quanto ao segredo do sentido da vida? Quem sabe o que será. Se calhar nem tem resposta. Todos procuramos dar um significado às vidas, mesmo que esse significado seja a ausência de um. E sempre que olhamos para os outros, parece que sabem as respostas ao dilema. E apesar de assim assumirmos, a verdade é que ninguém é detentor desta resposta. Seria bom poder dizer que é algo como “a continuação da espécie”, “viver para aquilo ou para quem amamos” ou “a vida não tem valor ou significado e não passa de uma criação na nossa mente termos essas dúvidas metafísicas”. Mas, infelizmente, nunca iremos chegar a uma conclusão certa, mesmo que sintamos que o conseguimos. Mas, será que realmente interessa? Obviamente, eu sinto que interessa, caso contrário não falaria do assunto. Mas será que interessa fica obcecado com tais noções? Talvez, o melhor a fazer é aquilo que Max aprendeu. Restituir a sua amizade com Herman, dando um pin que para ele é especial. Ou as outras coisas que gosta, como fazer peças de teatro extravagantes que não farão parte do espólio mundial das artes. É aceitar a nossa pessoa e de onde viemos, é isto que significa Rushmore. Realmente há uma beleza enorme neste conceito, não acham? E ainda dizem que Wes Anderson só se preocupa com o estilo.




Manuel Fernandes

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