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Sound of Metal: Som

Atualizado: 16 de mar. de 2021



Muitos artigos recentes adoram referir que 2020 foi o ano em que “o cinema morreu”, mas isso não poderia estar mais longe da verdade. Mesmo com as salas físicas de cinema fechadas, as plataformas de streaming e video on demand foram o grande veículo para os autores continuarem a difundir a sua arte. Entre muitas produções de meia tigela (desculpem a expressão), houve bastantes que se destacaram, entre elas, um filme da Amazon que deu à sua estrela, Riz Ahmed, uma margem de manobra enorme para mostrar as suas capacidades performativas, falo de “Sound of Metal”, coescrito e realizado por Darius Marder (que se estreia como realizador em longas-metragens de ficção) e coescrito também por Derek Cianfrance, conhecido por filmes como “Blue Valentine – Só Tu e Eu” ou “Como um Trovão”.


Para os mais nostálgicos pelos festivais ou concertos a pequena escala, a primeira sequência é especialmente eficaz. Ruben é um baterista num duo de metal com a sua namorada Lou. Vivem um para o outro, não só na música, mas também em todos os restantes aspetos das suas vidas. São inseparáveis e sempre o foram, foi graças à colaboração de ambos nesta relação que cada um conseguiu ultrapassar os problemas graves com que se debatiam. É nesta primeira sequência que percebemos o tipo de experiência que vamos ter. Normalmente, o cinema é uma experiência audiovisual com maior foco no visual que outros aspetos. Em “Sound of Metal”, esta tendência é invertida. A abordagem é imensamente naturalista, quase documental. Acompanhamos Ruben em praticamente todas as instâncias do filme. Somos o seu companheiro, a mosca que voa proximamente dele sem o incomodar, e vemo-lo. Somos simples observadores e ouvintes. Ouvinte é a palavra essencial para este filme pois, tal como uma sinfonia, todos os sons, silêncios, distorções, zumbidos e qualquer outro ruído (ou a total ausência dele) funciona da mesma forma que um diálogo, a montagem ou a cinematografia. Entramos na mente de Ruben e sentimo-nos exatamente como ele se sente, para o melhor e para o pior.


Porquê este foco todo no trabalho de som? Porque, infelizmente, Ruben tem de se adaptar a uma nova situação. Habituado a trabalhar a altos decibéis, ele começa gradualmente a perder a sua audição. As palavras começam a perder o sentido, e algo que antes era garantido passa a ser uma memória longínqua. O dilema é ainda maior porque a música é aquilo que Ruben mais ama, é a sua forma de estar no mundo e subitamente, perde esse direito. É como se lhe tivesse sido retirado o direito a viver.


“Sound of Metal” dá-nos uma fração daquilo que é a viver com perda de audição. Para Ruben, tudo era semelhante àquilo que a maioria de nós conhece, e por um “desígnio” qualquer, deixou de ser. Tem de aprender a adaptar-se à vida no silêncio. Será isso vida alguma? “Sound of Metal” diz-nos que sim. Não é apenas um retrato comovente sobre adaptar-nos a situações inesperadas, é um filme que nos obriga a refletir sobre a surdez e que nos mostra que quando uma pessoa quer ultrapassar algo, que não há nada que a possa parar.


A grande estrela é Riz Ahmed com uma atuação que se pode denominar de um tour de force. Irrepreensível em todos os momentos que o vemos, Riz Ahmed transforma-se em Ruben e mexe com as nossas emoções. A sua complacência, raiva, tristeza pode magoar-nos ou tocar-nos. Independentemente do que nos possa fazer sentir, é certo que nos irá fazer sentir! A outra grande surpresa é Paul Raci que interpreta Joe, um carinhoso e compreensível mentor para Ruben que o ajudará nesta jornada por um “Novo Normal”. Paul Raci não é surdo, mas é filho de pais surdos e, por isso, entende na perfeição as pequenas partes que compõem o mundo de uma pessoa surda e conseguiu trazer essa noção para o ecrã de uma forma perfeita. Paul Raci faz-nos entender como a língua gestual ou a capacidade de ler lábios pode ser fundamental para conseguir interagir com outra pessoa, ouvinte ou não-ouvinte.


É uma jornada emocional, apesar de não o parecer. Há um enfoco gigantesco na forma como a audição deixa de existir e como o mundo começa a tornar-se silencioso (apesar de manter muito som). Da mesma maneira, “Sound of Metal” tem um impacto enorme e silencioso. Não percebemos exatamente como, pois não há cenas que “gritam”, só percebemos o quão pesado foi quando chegamos ao final. E o final é fantástico, deixem-me que vos diga.

Manuel Fernandes

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