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The Boys in The Band: Os Efeitos do Ódio


O ano é 1968, em Manhattan, e Michael (Jim Parsons), um gay ex-alcoólico, decide organizar uma festa de aniversário para Harold (Zachary Quinto), o seu grande amigo. Com uma panóplia de convidados, entre eles Emory (Robin de Jesús), uma estereotípica “rainha”, Donald (Matt Bomer), amigo e ex-amante de Michael, e Larry (Andrew Rannells), um homem adverso à monogamia que o seu parceiro Hank (Tuc Watkins) quer. A festa parece decorrer bem até que chega Alan (Brian Hutchison), o velho colega de escola de Michael. Alan é heterossexual, e não sabe da homossexualidade dos outros membros da festa. Porém, com a chegada dele e a descoberta da verdadeira sexualidade de todos os convidados, Michael decide voltar a beber, e a noite que começa mal acaba pior.


The Boys in The Band é a adaptação de uma peça de teatro datada antes do movimento LGBT+, na altura em que raramente personagens homossexuais chegavam vivos ao final da obra. Esta nova versão, produzida por Ryan Murphy e com Joe Mantello na cadeira de diretor, serve mais como uma atualização técnica das versões antigas, do que uma nova forma de interpretar a história. A obra recorre ao uso de estereótipos algo datados, enquanto os desconstrói e mostra tudo o que as personagens sentem na pele, física e psicologicamente.


Aliás, opressão e discriminação são as palavras chave para entender o filme. Há vários exemplos ao longo do filme que mostram o mundo à volta dos protagonistas a rejeitá-los, mas isso não é o mais interessante. Não, o mais curioso é que a longa-metragem aplica estes conceitos nas relações interpessoais das personagens: Michael critica e rebaixa Emory repetidamente por ser demasiado feminino, Hank e Larry discutem constantemente sobre se uma relação exclusiva faz sentido para a sua sexualidade, e Harold e Bernard (Michael Benjamin Washington) são insultados com toda a forma de insultos racistas e antissemitas ao longo da noite. Dá a ideia que o desprezo que a sociedade sente por eles acabou por contaminá-los com ódio a si próprios, e quanto mais velhos são pior se torna.


A nível técnico, apesar de se notar que o diretor tem mais experiência em peças do que em filme, a execução está tão bem-feita que nem me importei. O facto de a ação decorrer, na sua grande maioria, no apartamento de Michael ajudou imenso, levando a um maior dinamismo na movimentação das personagens e da câmara pelo espaço, que nunca é muito confuso. Simplicidade é a norma da cinematografia de The Boys in The Band, o que resulta porque dá destaque ao diálogo e às caras e reações das personagens. O grande ponto forte do filme é a análise das personagens, dos seus medos, sonhos, desejos e fantasias.


O que me leva aos pontos maus do filme. Algumas das personagens são muito boas, e destaco aqui Zachary Quinto como uma das personagens mais complicadas. Quinto conseguiu capturar a dualidade de Harold na perfeição, mostrando o doce escondido no amargo, a ternura na ironia, a honestidade brutal de alguém que só quer o teu bem. Depois, temos algumas prestações não más, por assim dizer, mas têm falhas. Rannells é culpado disto em algumas cenas, com uma linha mal-feita numa cena tão climática que parece que fui ejetado do filme temporariamente. Mas, mais uma vez, a sua prestação não foi má: as cenas de Hank e Larry são das mais interessantes e cativantes de todo o filme.


E depois há o Jim Parsons. Vou ser muito sincero, não sou fã dele como ator, e a prestação dele aqui não ajudou. Penso que a personagem tenha sido demasiado complexa para as suas capacidades. Não sei se é só impressão minha, mas na maioria das cenas de Parsons com os outros atores, o nosso protagonista parece desvanecer da ribalta, com as outras personagens a dominar as interações, seja por maneirismos, diálogo, ou simples emoção. Jim Parsons parece que está a ser só Jim Parsons, ou a usar detalhes de The Big Bang Theory. Não sei, há algo de diferente na prestação dele, que simplesmente não resulta em conjunção com o resto do elenco.


The Boys in The Band é, essencialmente, uma análise de personagens: o que é que o ódio constante nos pode fazer e como é possível evitar a corrupção que advém dele, com todas as dificuldades que isso implica. Não demonstra o ódio próprio como algo bom, mas como um ponto de partida para uma introspeção. Com diálogos repletos de referências artísticas, literárias e cinematográficas, é improvável que compreendam todo o subtexto à primeira. Porém, é um dos poucos exemplos da comunidade gay a ser representada antes do movimento LGBT+, e mostra a solidão e o abandono que muitos sentiam na altura. Não é um filme excelente, mas é um filme necessário, para nunca se esquecer como era antes.


Filipe Melo

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