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The Hateful Eight: Um trabalho que deve ser valorizado


Começo este texto declarando que Quentin Tarantino é o meu diretor favorito, entre “Reservoir Dogs” até ao seu trabalho mais recente como diretor: “Era uma vez em Hollywood…”, todos os filmes ficarão na minha memória eternamente, cada um pelas suas razões. Vou fazer agora um pequeno exercício com base na premissa que os filmes do realizador não são todos iguais só porque o fator sangue é abundante, opinião esta que vai contra óticas de bastantes pessoas. De facto, é um ponto em comum entre todos os filmes, mas todos eles vão para além desse pormenor. Se colocarmos os principais trabalhos do realizador lado a lado, conclui-se que pertencem a géneros e a temáticas diferentes. Se o espectador procura um argumento um quanto aleatório e surpreendente, “Pulpfiction”, “Era uma vez em Hollywood” e “Reservoir Dogs” são as escolhas indicadas. Se um filme repleto de ação for o petisco favorito do espectador, escolhas como “Kill Bill” e “Inglourious Basterds” são os filmes ideais. Outra categoria que emerge da filmografia de Quentin Tarantino é a temática dos westerns, e dentro deste tema temos “Django Unchained” e “The Hateful Eight”. Claro que pelo título e capa da crítica já perceberam que filme vou abordar, mas antes de mergulhar na análise quero justificar o porquê de ter escolhido este filme como o primeiro que vou analisar do meu realizador favorito. Em primeiro lugar, a crítica ao mais recente trabalho do realizador já foi redigida por Manuel Fernandes aqui na Underscope (sugiro que leiam porque vale mesmo a pena), logo esse filme está fora do leque de hipóteses. Em segundo lugar, os dois filmes protagonizados por Uma Thurman, apesar de serem fantásticos, não são os meus favoritos. Assim também saltam fora da minha escolha. Desta forma, sobram os filmes que para mim são as obras de arte de Tarantino. Seria fácil falar quer de Pulpfiction, quer do filme que vou abordar, mas escolho o último western de Quentin Tarantino pois tenho a clara ideia que é o menos conhecido de todos. Tenho a crença (talvez exagerada) que só os seguidores dos projetos do realizador é que realmente depositam valor no fantástico trabalho por detrás de “The Hateful Eight”. Na realidade, é percetível que “Django Unchained” tenha mais sucesso, até porque é uma história que aborda temas com os quais as pessoas lidam no quotidiano (de maneira diferente claro), os atores são mais mediáticos do que o elenco de “The Hateful Eight”, e foi o primeiro western do realizador. O segundo foi lançado três anos após, logo, por repetir o mesmo género de forma consecutiva num curto espaço de tempo, com caraterísticas menos mediáticas e chamativas, explica a diferença de projeção na indústria do cinema entre os dois filmes.


Agora mergulhemos em “The Hateful Eight”. Sinceramente nem sei por onde começar, tudo neste filme é tão bem conjugado que dificulta a minha tarefa de fazer uma introdução descritiva merecedora deste filme. Comecemos pelo mais óbvio, o elenco e as prestações. É provável que o tema do filme não seja para todos, mas os atores escolhidos certamente que preenchem a vista. Samuel L. Jackson, Kurt Russel, Walton Goggins, Tim Roth, Channing Tatum e Bruce Dern, são nomes conhecidos e mediáticos na sua arte, alguns até já participaram em mais filmes de Quentin Tarantino. Os principais intervenientes desta história executam os seus papéis de forma mais do que satisfatória, conseguindo sempre expor para o espectador os principais traços, que permitem diferenciar de forma clara todas as personagens. Nenhuma personagem é igual, apesar de partilharem o mesmo espaço, cada uma reage e comporta-se à sua maneira no decorrer da narrativa. Logo aqui constata-se a beleza deste filme. O realizador arquitetou uma equação química com efeitos explosivos e surpreendentes, com o propósito de marcar quem vê o filme, tudo dentro do mesmo “palco” praticamente. Mas para se atingir os produtos finais da equação, são necessários reagentes bem compactos. Quentin apresenta cada personagem quase individualmente, o que permite ao público uma adaptação confortável às caraterísticas de cada interveniente. Fazendo uma analogia à culinária, é tal como se o realizador fosse o cozinheiro e cada personagem um ingrediente, e o cozinheiro estaria a explicar a receita de um prato, com uma explicação detalhada de cada ingrediente, enquanto os introduz numa panela. A divisão em capítulos, uma imagem de marca de Tarantino, facilita também no processo de dar a conhecer as motivações das personagens, bem como as relações entre elas.


Para não fornecer factos da história demasiado denunciantes para quem não viu o filme, no fundo oito personagens encontram-se numa estalagem, que devem partilhar obrigatoriamente durante muito tempo, pois a ação insere-se nos arredores da cidade que se encontra sobre os efeitos de uma enorme tempestade de neve. Claro que algumas personagens acabam por alcançar essa estalagem de forma algo aleatória, mas outras encontram-se no local acerto e no momento certo de forma propositada. A razão disso é a personagem Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), um membro de um clã, que é transportada por John Ruth (Kurt Russel) como prisioneira, para puder obter dinheiro em troca da entrega de Daisy, que será executada na cidade Red Rock. Agora vem a seguinte questão: quais das personagens da estalagem é que quer salvar Daisy da morte? Gostaria de abordar mais aspetos da narrativa, mas só ia revelar detalhes que merecem ser apreciados de forma natural pelo espectador. Aviso já o seguinte: no seguimento daquela comparação com a culinária, um bom prato exige um certo tempo de preparação, e o filme segue esse raciocínio. Logo, até o clímax do filme ser alcançado, preparem-se para uma hora e meia de diálogo que visa preparar o desfecho da história. Quem gosta de Quentin Tarantino vai apreciar cada minuto, mas quem for pouco conhecedor dos maneirismos do realizador, peço que não desista à primeira oportunidade durante o segmento de tempo em que aparentemente não acontece nada, visto que depois vai valer muito a pena.


Assim à primeira vista, pode parecer pouco convidativo um filme que se desenrola basicamente num local, mas para além de estar tudo bem interligado como já disse anteriormente, todos os ângulos daquele espaço são aproveitados pela fantástica cinematografia que Quentin Tarantino aplica. Quem se deixar levar profundamente pelos fantásticos planos, certamente poderá sentir algumas sensações que certas personagens exibem (exemplo: frio, fome, ansiedade…).


Agora sim, o ponto mais alto desta longa metragem é a prestação de Jennifer Leigh no papel de Daisy, que até foi nomeada aos óscares na categoria de melhor atriz secundária. A loucura, raiva, inteligência, manipulação e provocação são elementos que a atriz espelha de forma muito clara, sempre com um tom ascendente ao longo da duração do filme. Se a personagem é o motor de toda a história, seria necessário um desempenho à altura que foi cumprido e que ultrapassou todas as expectativas.


No fundo, um filme que para mim deveria não passar em branco, não só por ser de quem é, mas por ser um trabalho que exigiu um esforço específico face às caraterísticas particularmente peculiares que constituem os alicerces da história. Para além disso, ainda acrescenta os tais reagentes que conduzem a um fantástico produto final que certamente irá surpreender quem decidir ver o filme, e que não vai deixar ninguém indiferente.

Diogo Ribeiro

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