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The Invisible Man (2020): O fantástico apenas enaltece o horror

Atualizado: 17 de out. de 2020



Cecilia Kess (Elizabeth Moss) é uma arquiteta que acaba de fugir do seu namorado obsessivo, abusador e controlador (Oliver Jackson-Cohen). Esconde-se dele na casa de James (Aldis Hodge), amigo de infância e polícia, e tenta recuperar do trauma, até receber a notícia que o seu (agora) ex-namorado se suicidou. Intitulada a parte da herança dele, Cecilia tem de provar que é mentalmente competente para a receber. Seguem-se duas horas de paranoia e terror, à medida que Cecilia acredita que o seu ex está vivo, invisível, e a destruir todos os relacionamentos à volta dela, com o simples propósito de a aterrorizar e enlouquecê-la.


The Invisible Man é uma história que pega nas histórias de trauma e violência doméstica, e, com um toque de fantástico, consegue enaltecer o terror absoluto de uma vítima, sem nunca perder a ligação com a realidade. O filme capta imensamente bem o trauma e a paranoia da personagem de Moss, que, por sua vez, carrega o filme às costas com a sua prestação. Vê-la no ecrã a ser repetidamente aterrorizada e afastada de quem só lhe quer bem deu-me vontade de a abraçar com força e dizer-lhe que vai correr tudo bem.


A direção também é incrível. Leigh Wanell decidiu focar-se em planos abertos, vazios, e alguns longos takes, para demonstrar a ideia de que Cecilia nunca está segura. A câmara fica parada em espaços vazios, de forma a dar a entender que algo está a acontecer, sem mostrar o que é. Um bom exemplo é a cena da cozinha: Cecilia afasta-se do fogão, mas a câmara não a segue. Em vez disso, fica na cozinha, imóvel, enquanto vemos uma faca da cozinha a desaparecer e o lume a ser aumentado por alguém que não conseguimos ver. Nós, o público, sabemos que Griffin, o abusador, está lá, mas a personagens não, pensando que foi descuido de Cecilia. E isto repete-se ao longo do filme, Cecilia a ser pintada como a louca que nunca foi.


E são estes pequenos toques que dão aquele sentimento de paranoia, de que nunca estamos sozinhos ou seguros. O fôlego visível de Griffin, mesmo à beira de Cecilia, sem ela o poder ver; a presença do telemóvel dele dentro da casa dela, sem saber como lá foi parar; até o desaparecimento do portfólio dela aumenta a nossa paranoia, e deixa Cecilia a pensar que ela está a enloquecer. A presença de Griffin é sentida ao longo do filme com a mesma intensidade de um monstro de terror, sempre presente, mesmo quando não está.


A cena de abertura é um bom exemplo de cimentar uma premissa e as personagens que participam nela: Cecilia acorda durante a noite e leva a cabo o seu plano de fuga, tomando todas as precauções necessárias: mudar o ângulo da câmara de segurança para ela ver se ele está a dormir, esconder o saco de viagem numa conduta de ar atrás de uns fatos, desligar as restantes câmaras de segurança, até o uso de meias para silenciar os passos que ela toma. Os poucos barulhos que ocorrem contrastam tão bem com o silêncio e o absoluto medo que Cecilia sente, deixando-nos à beira do assento. Isto mostra que Cecilia é uma mulher incrivelmente inteligente que sabe do que o seu abusador é capaz, e leva-a a acreditar muito depressa que Griffin está vivo.


E por falar no grande monstro, há monstros reais por quem sinto mais empatia que Griffin. É relevante que o seu primeiro aparecimento no filme é ele, a aparecer do nada, a bater no carro de fuga de Cecilia a pedir que ela saia, e, quando isso não resulta, parte o vidro e tenta arrastá-la para fora à força. É absolutamente aterrador e realista de muitos casos de violência doméstica, embora talvez um pouco exagerada na força.


The Invisible Man não é aterrador pela história, ou pelo seu monstro. O filme é aterrorizador por se assemelhar a uma situação real e aterradora, ao ponto de, se tirássemos os elementos mais fantásticos, não veríamos um filme muito diferente. Veríamos uma mulher, a tentar fugir do seu abusador, enquanto este continua a atormentá-la e a fazer da vida dela um inferno, só porque sim. É realista, negro, e possível acontecer a qualquer um de nós.


Filipe Melo

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