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Um futuro clássico sobre “Pessoas Normais”

Atualizado: 26 de set. de 2020


Escrever sobre as interações mais banais e quotidianas da vida de duas pessoas comuns, tinha tudo para se tornar num livro aborrecido. Mas a premissa do livro “Pessoais Normais”, de Sally Rooney, rapidamente se tornou um sucesso, quer nas prateleiras quer no pequeno ecrã, com a recente série da HBO. Assim sendo, qual foi a fórmula para tanto comoção associada a este pequeno livro?


A resposta é simples: a sua humildade.


(E sim, esta análise, vai usar muitas vezes a palavra “normal”).


Passada maioritariamente em Dublin, uma cidade povoada de estudantes e do burburinho da vida boémia e círculos estudiosos, vai-se desenrolando a relação dos ex-colegas de secundário Connell, popular, inteligente e bem-sucedido academicamente, e Marianne, a tímida, ansiosa, igualmente inteligente mas masoquista co-protagonista. No secundário, as suas realidades completamente diferentes, faz com que os seus caminhos se cruzem pela primeira vez, mantendo um pequeno namoro às escondidas, por vergonha dos comentários dos seus pares. Só quando mudam da pequena cidade para a universidade em Dublin, é que os seus mundos começam novamente a chocar, e a atração, que é palpável entre eles, vai levando-os a convergirem e divergirem caminhos, múltiplas vezes ao longo do livro. Mudam mesmo de papel, Marianne passa a ser a popular e carismática aluna, enquanto Connell sente dificuldades a adaptar-se às suas novas circunstâncias, com a agravante dos custos que não pode suportar.


Mas por incrível que pareça, tal como na vida real, não há verdadeiros vilões nestas relações humanas. Duas pessoas, que se amam profundamente, capazes de comunicarem sobre tudo, menos os seus verdadeiros sentimentos, leva-os a lutar constantemente entre aquilo que querem e o que precisam. Não há culpados, não há dramas, não há intrigas, mas simplesmente “Wrong place, wrong time”. Ficamos permanentemente na expectativa que estas personagens percebam que estão destinados, sabendo que num ficcional, tal como no real, isso é quase impossível de acontecer. Quase queremos intervir, dar a nossa opinião, dizer-lhes para abrirem os olhos.


Assim, usando algo que é tão mundano, no entanto tão desejado, como a compressão nas relações amorosas, somos rapidamente cativados pela escrita simples e clara da autora. Não há nada para além da crueza e da nudez das suas relações, com as quais nos vamos identificando, porque todos nós, de uma maneira ou de outra, já nos vimos em situações como esta.


Connel e Marianne, são simplesmente pessoas normais, e tudo aquilo que vivem é normal (por muito doloroso, apaixonante, ou perfeito que pareça). E a proximidade com a nossa realidade, a naturalidade com que as suas discussões se desenrolam, bem como o quão assombrosamente pensamos que tudo aquilo é possível, faz o leitor apaixonar-se rapidamente pelas personagens.


Este não foi o primeiro livro de Sally Rooney, que já se tinha estreado com o livro “Conversas entre amigos”, que se passa igualmente numa Irlanda fortemente católica, onde o catolicismo já não importa, mas ainda interfere com as relações humanas e amorosas das personagens. A brilhante autora acabou por criar algo que vai transcender imensas gerações: um livro sem truques, sem descrições exageradamente fantasiadas, ou personagens impossivelmente perfeitas.


Fica a esperança de que a publicidade dada pela igualmente brilhante série da HBO, a impulsione para escrever mais livros sobre algo que nos é tão familiar… pessoas normais, como nós.


Maria Santos

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