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Viagem em Itália: Juntos mas Separados


No terceiro filme, de cinco que fez com o seu então marido Roberto Rossellini, Ingrid Bergman contracenou com o britânico George Sanders. Juntos, interpretavam um casal inglês que viaja por Itália, e nesta viagem, o seu casamento iria sofrer golpes pesados. Especula-se que os cinco filmes que fizeram juntos (acrescenta-se “Stromboli”, “Europa 51”, “Giovanna d'Arco al rogo” e “O Medo”) teriam elementos autobiográficos da relação entre os dois, que terminou em 1957 após um caso da parte de Rossellini.


O título quase poderia indiciar um road-movie, “Viagem em Itália” quase nos leva a crer que o casal irá viajar por toda a Itália, no entanto, eles apenas se dirigem a Nápoles a fim de venderem uma casa de campo que herdaram de um tio. Trata-se de um drama puro em que o estilo anglo-saxónico com diálogos bem detalhados funde-se com neo-realismo italiano que Rossellini conhece tão bem, onde se procurava abandonar histórias romantizadas e assim mostrar a pobreza e as dificuldades diárias que se viviam. Apoiando-se nestas noções, cria-se um drama celebrado que se foca nas dificuldades matrimoniais e, contrariamente aos seus outros trabalhos cujo foco eram os mais desfavorecidos, mostra também estas adversidades em pessoas de classe alta, sem esquecer as atribulações das vidas mais precárias, num país a tentar recuperar da II Guerra Mundial. Com dois atores tão talentosos, a experiência não poderia ser mais satisfatória, eles tornam-se em Alex e Katherine Joyce e entramos no mundo conturbado que é a sua relação. Logo nos primeiros minutos notamos na ausência de carinho ou simplesmente cumplicidade entre os dois, trata-se de uma maneira talvez excessivamente formal, com silêncios longos e sem olhares afetuosos. Mais parecem ser colegas de trabalho do que marido e mulher. Para além disso, Alexa parece ter mais interesse por outras mulheres do que pela sua própria esposa. As diferenças não acabam aí e em conversas espalhadas pelo filme, notamos no quanto as suas personalidades divergem. Alex mais objetivo, obcecado com o seu trabalho e preocupado com os aspetos práticos da vida, Katherine com interesse pelas artes e pela história, e claramente mais sensível. Quando falavam de um amigo poeta de Katherine (que morrera no passado), após as respostas secas de Alex, ela afirma “Não era um tolo, era um poeta!”, ao que ele responde “Qual é a diferença?”.

E nas várias conversas, reparamos que nunca dizem um ao outro aquilo que realmente sentem. A Katherine só resto exclamar dentro do seu carro, enquanto se dirigia sozinha para um museu, “Odeio-o!... Presunçoso!”. E quando realmente falam daquilo que os está a incomodar, o grande elefante na sala que está à vista de todos desde a primeira cena, as coisas rapidamente perdem o tom de respeito e a crítica e comentários acusatórios dominam a conversa. Apesar de nunca levantarem a voz, um ar desagradável e pestilento nunca abandona a sala. Tudo parece um confronto, mesmo quando estão em atividades separados um do outro (Katherine que gosta de explorar os museus, catacumbas e a região de forma geral, e Alex que prefere atividades solitárias ou em contextos sociais específicos, onde pode conhecer jovens mulheres). Constantemente sentimos que este casamento está a segundos de desabar. As expressões magoadas de Katherine assim o dizem, e as atitudes sedutoras de Alex com outras mulheres também o parecem confirmar. Inclusive, numa das noites, Alex chega a encontrar-se no seu carro com uma prostituta, apesar de poucos minutos depois e sem ter cometido nenhum ato decidir deixá-la e não ceder a nenhum impulso que magoaria ambos.

E apesar de estes sentimentos dominarem a tela, notamos que em ambos ainda resta uns vestígios de, talvez, amor. As palavras precipitadas é que escondem estes resquícios de algo que se recusa a mostrar-se pois o ego é mais poderoso e mais importante para estas duas pessoas que vivem a sua relação mais como uma competição em que o primeiro que der o braço a torcer será sofredor de todo o ridículo que merece. Por vezes parece que estamos simplesmente perante algo rotineiro, os dias passam e assistimos a conversas e a pequenas viagens pela história de Napolitana. Mas todos os que conhecerem as angústias da vida bem saberão que muito aconteceu em todos estes momentos em que vimos duas vidas até então pareciam tão entrelaçadas e que subitamente revelaram que muito já aconteceu e que talvez não haja muita razão para continuar a ser. Esses mesmo que conhecem tais infelicidades, também saberão que por vezes um simples e único momento pode ser a razão para as coisas mudarem, ou talvez a razão para continuar um erro ou evitar fazer um que poderia ser completamente dramático. Assim, um dos trabalhos de Rossellini que aparenta ser mais impassível e imperturbável, trata-se de algo que tem o coração no sítio certo como se costuma dizer. Os tantos momentos de solidão revelam tanta paixão. As palavras sarcásticas e cruéis escondem desconsolo que facilmente se pode mudar.


Manuel Fernandes

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