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Vitalina Varela: É a Escolha Certa para os Óscares?




O prazo das submissões para o Óscar de Melhor Filme Internacional (antigo Melhor Filme de Língua Estrangeira) terminou a 1 de dezembro do ano anterior. Portugal submeteu o filme “Listen” de Ana Rocha, que conquistou o júri do Festival de Veneza. Infelizmente, as regras não permitem que um filme nesta categoria tenha mais de 50% do seu diálogo em língua inglesa, algo que acontecia nesta produção e que a Academia de Cinema Portuguesa sabia de antemão. Ainda assim, foi decidido que “Listen” seria o representante português nesta competição, talvez por quererem fazer uma afirmação sobre o cinema não ter de se reger por regras tão aleatórias ou porque simplesmente não quiseram saber e o sonho de enviar um filme que teria “mais hipóteses” de ganhar o tão cobiçado prémio falou mais alto. Não falo contra “Listen”, ainda não vi o filme e acredito que seja uma excelente produção, estou desejosíssimo por o ver. No entanto, havia um candidato que fora ignorado na primeira votação, e que para mim é o representante inegável para Portugal. “Vitalina Varela” é a mais brilhante produção portuguesa saída do ano de 2019 (em 2020 para as audiências americanas, daí que seja elegível para os Óscares em 2021), inclusive foi o vencedor do festival de Locarno.


Trata-se do mais recente filme do internacionalmente aclamando Pedro Costa. No seu trabalho anterior, o igualmente espetacular “Cavalo Dinheiro” de 2014, o protagonista era Ventura, uma versão semifictícia e semiautobiográfica do ator que dá o nome à personagem, e nele estavam representadas as dificuldades encontradas por um imigrante cabo-verdiano em Portugal. Vitalina Varela também interpretou uma versão semifictícia de si mesma nesse filme, como personagem secundária, e no trabalho seguinte de Pedro Costa, ela torna-se na personagem titular. Ventura também regressa em “Vitalina Varela” invertendo agora a sua posição de protagonista para personagem secundária. Mas sobre o que é “Vitalina Varela”? Primeiro, umas considerações gerais.


Falo de um filme terrivelmente lento. Digo isto como um elogio. Se assim não fosse, o impacto seria minimizado brutalmente, pois “Vitalina Varela” é uma representação intensa e genuína de dor e de viver quando se perdeu as coisas que pareciam dar sentido à vida. As cores são extremamente escuras, com a luz a ganhar um papel importantíssimo para os nossos olhos. As sombras são tão proeminentes que quando as caras, objetos ou locais se tornam discerníveis aos nossos olhos, sentimos que estamos a entrar num novo espaço, apesar da câmara nunca se ter movido. A câmara está estática durante todo o filme e assim merece estar para que tenhamos belos quadros. Tudo no filme é sombrio, de uma forma que muitos filmes de terror aspiram ser, mas não o conseguem. Não há música “maquiavélica” nem peças atonais que magoam os nossos ouvidos e fazem o coração saltitar. O silêncio é somente quebrado por diálogos quase silenciosos e suspiros pesados que criam uma tensão enorme na cena. Os menos pacientes poderão não perceber o impacto que estas cenas têm, mas para aqueles que esperarem e prestarem a maior das atenções (é um filme que exige que a audiência se esforce e não seja apenas um elemento passivo da experiência cinemática), vão conseguir perceber o quão penoso é olhar para os elementos que compõem a imagem e o sentimento que nela está embutido. E já que falei na imagem, até me exalto só de pensar no quão visualmente majestoso este filme é. Todas as cenas são dotadas de uma melancólica beleza de uma excelência tal que seria difícil imaginar o filme sem esta meticulosa e perfeccionista atenção à composição visual. É dos filmes mais bonitos desta última década, com toda a certeza.


Em termos de enredo… não há um enredo convencional. Não segue a típica estrutura de oferecer conflito às personagens apresentadas para que este seja resolvido no final. Infelizmente, a vida não é tão simples e não oferece facilmente respostas finais a problemas complicados. Como esta obra procura ser realista (não a 100%, claro), não há interesse algum em mergulhar em fantasias. Vitalina Varela é cabo-verdiana e chega a Portugal após a morte do seu marido. Mas ela não sabe que ele faleceu, esperava encontrar-se com ele e recebe esta trágica notícia mal os seus pés tocam em terras lusitanas. Ela começa uma jornada angustiante, seguindo o rasto das “pegadas” que ele deixara e vai descobrindo a vida que ele teve durante os vinte e cinco anos que viveram separados pela distância. Se esta descrição não vos faz doer o coração, garanto que o filme o fará.


Respondendo à questão do título, “Vitalina Varela” é, sem sombra de questão, a opção mais acertada para ser o filme selecionado pelo nosso país. É a arte cinemática numa forma simultaneamente assombrosa e genial, que nos faz sentir que o mundo poderá ser algo desesperante, mas que também irá tocar no nosso lado mais empático e que deseja que, no meio de tanta escuridão, haja luzes que iluminam o caminho daqueles que sofreram as injustiças de existir.

Manuel Fernandes

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